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Josias de Souza

Bolsa eleição sem qualificação do gasto é tunga

Josias de Souza

10/08/2017 05h11

Em sessão que entrou pela madrugada desta quinta-feira, a comissão que trata da pseudoreforma política aprovou seu texto-base. E já iniciou a análise das emendas. Tudo ainda pode mudar, exceto um ponto: o Bolsa Eleição, fundo criado para financiar campanhas eleitorais com verba pública, é intocável. Para 2018, reservaram-se R$ 3,6 bilhões. A coisa foi batizada de Fundo Especial de Financiamento da Democracia. Jamais foi inventado nome mais bonito para tunga.

No fundo, no fundo a única coisa que interessa aos congressistas é o fundo. Desde que o Supremo Tribunal Federal proibiu as contribuições eleitorais de empresas, a turma não pensa noutra coisa. A medida é um avanço. Supostos representantes do povo avançam sobre o bolso de contribuintes que não se consideram representados. Fazem isso sem incluir no debate meio quilo de ideias sobre o barateamento das campanhas. Derramam dinheiro limpinho numa poça de lama.

Relator da proposta, o petista Vicente Cândido suprimiu do texto até as regras sobre a divisão do dinheiro conforme o cargo em disputa. Por ora, está entendido que a cúpula dos partidos poderá ratear a grana como bem entender. Num instante em que o governo ameaça a plateia com o aumento de impostos, os parlamentares criaram para si uma forma graciosa de gastar dinheiro público como se fosse dinheiro grátis.

Pela proposta, o Congresso não precisará quebrar a cabeça para remanejar verbas do Orçamento da União. Decidiu-se escrever na Constituição que os bilhões eleitorais poderão estourar o teto de gastos, convertendo-se em déficit público. A divisão do bolo entre os partidos será definida noutro projeto. Nenhuma palavra sobre a imposição de limites à marquetagem milionária que vende candidatos como sabonetes. Nada sobre a reformulação da propaganda-espetáculo. Nem sinal de mecanismos de fiscalização e punição para os lavajatistas que continuarem bebendo no caixa dois.

Enquanto os congressistas definiam os contornos da tunga, Michel Temer discutia com a equipe econômica, do outro lado da Praça dos Três Poderes, o estouro do déficit nas contas públicas. A meta fiscal para 2017, que previa um rombo de R$ 139 bilhões, vai virar uma cratera ainda maior. Coisa de R$ 158 bilhões. A meta para 2018, antes deficitária em 129 bilhões, deve virar um abismo de R$ 170 bilhões.

É contra esse pano de fundo que os congressistas informam aos contribuintes que ninguém deve fazer muitas perguntas sobre a mordida eleitoral. Pague o Imposto de Renda e todas as outras tributações em dia. E vê se não chateia.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.