Gestão Temer opera em ritmo de trem fantasma
"A mensagem importante é que essa recessão já terminou", alardeou o ministro Henrique Meirelles em fevereiro. Michel Temer repete desde então, com a regularidade de um mantra, que seu governo "colocou o país nos trilhos". Muitos brasileiros, ao ouvir o presidente falando, acalentam o sonho de viver no Brasil que Sua Excelência descreve, seja ele onde for. Entretanto, o que se vê sobre os trilhos é um governo com aparência de trem fantasma.
Ao assumir, Temer prometeu pacificar o país e tirar as contas do vermelho. Hoje, com 5% de aprovação, arrisca-se a tomar vaia sempre que leva os sapatos para fora dos palácios brasilienses. E anuncia para a próxima semana a reaparição de uma velha alma penada sobre os trilhos: o descumprimento de uma meta fiscal. O rombo de R$ 139 bilhões que Meirelles dizia ser "exequível" para 2017 vai virar uma cratera de R$ 159 bilhões, que se repetirá em 2018.
Caótico e com os cofres no osso, o governo planeja enviar ao freezer os reajustes salariais que concedeu aos servidores públicos no ano passado. Dizia-se na época que os aumentos —coisa de R$ 58 bilhões até 2019— já estavam computados na meta de déficit. A farra foi aprovada na Câmara numa madrugada de junho de 2016, sob aplausos de Temer. De uma tacada, passaram 14 projetos de lei. Continham bondades destinadas a 38 carreiras do Estado.
O então deputado Nelson Marchezan Júnior (PSDB-RS), hoje prefeito de Porto Alegre, subiu à tribuna para pronunciar um discurso premonitório. Foi registrado aqui. Vale a pena recordar:
"Estamos estendendo gratificações de desempenho para servidores inativos", disse Marchezan naquela madrugada. "Incorporamos aos quadros da Defensoria Pública servidores cedidos que vão entrar numa nova carreira, sem concurso, ganhando até 400% a mais. Isso é inconstitucional. Criamos mais de 11,5 mil empregos. E o presidente Michel Temer havia prometido fechar 4 mil cargos comissionados."
O deputado acrescentou: "Dizem aqui que não posso ser mais realista que o rei. Se o governo encaminha tudo isso, devemos votar a favor. Quero lembrar que acabamos de depor uma rainha porque ela administrou as contas públicas contrariamente ao interesse popular. Tiramos na expectativa de que o novo governo administraria para o interesse popular. Espero que esse novo rei mude sua forma de reinar, para que ele não siga no mesmo caminho da rainha deposta. Espero também que as operações da Lava Jato anunciadas para os próximos dias não tenham nenhuma relação com esse açodamento de votar esse rombo de algumas centenas de bilhões de reais."
Temer costuma dizer que se dará por satisfeito se chegar ao final do seu mandato como um presidente reformista. Não deseja senão entregar ao sucessor "um país nos trilhos". Mas o autogrampo do delator Joesley Batista tornou impossível o que era difícil. Para salvar o mandato, Temer ampliou o balcão e entregou cargos, cofres e a alma ao centrão. Recolocou nos trilhos o grupo fantasmagórico idealizado pelo presidiário Eduardo Cunha.
Junto com a denúncia que o acusa de corrupção, Temer enterrou no plenário da Câmara o futuro do resto do seu governo, que será ruim enquanto dure. Tratada como a mãe de todas as reformas, a mexida na Previdência, tal qual o governo a concebera, foi para o beleléu. Médico e líder do PSD, o deputado Marcos Montes (MG), proferiu o diagnóstico: "O governo saiu da UTI. Está no quarto. A data da votação [da emenda constitucional da Previdência] vai depender da recuperação do paciente. Pode ser no final do ano, pode ser em 2019", no próximo governo.
Sem o ajuste na Previdência, Temer sucederá Dilma também no posto de presidente do rombo insanável. A hipótese de o governo entregar o que prometeu é nula. Acenara-se com um crescimento econômico de até 2% neste ano. Se chegar a 0,2% será um milagre.
O brasileiro percorre o trajeto do trem fantasma rezando para não dar de cara com um aumento de impostos. Nessa matéria, o governo desmente à noite o que admitira pela manhã. E a plateia não acredita nele durante todas as horas do dia.
Nesta quinta-feira, após discutir com ministros e congressistas a revisão para o alto da meta de rombo fiscal, a ser anunciada na semana que vem, Temer deixou no ar a hipótese de adotar "medidas rigorosas". Emendou: "[…] O governo não mente para o povo brasileiro. Muitas vezes toma medidas rigorosas, mas indispensáveis para a higidez das finanças públicas do nosso país."
Que língua extraordinária é o português! Higidez virou um outro vocábulo para esculhambação. Há no percurso do trem fantasma 14 milhões de desempregados. A saúde pública continua sendo uma calamidade. O ensino público, um acinte. O fisiologismo ri da Lava Jato. Mas o Brasil da fábula de Temer está "nos trilhos".
Todo brasileiro tem o direito de reivindicar um gole do que Michel Temer anda bebendo. Tudo leva a crer que a água do Jaburu conduz ao delírio.
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