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Josias de Souza

Temer reagiu à PF como superior ou suspeito?

Josias de Souza

12/09/2017 13h20

Michel Temer está abespinhado com a Polícia Federal. O órgão diz ter reunido evidências de que ele e seus correligionários compõem uma "organização criminosa". Acusa-os de praticar corrupção e outros crimes correlatos. O presidente extravasou sua irritação por meio de uma nota. "Facínoras roubam do país a verdade", escreveu. Ficou no ar uma dúvida: Temer ainda reúne condições de reagir à PF como superior hierárquico ou responde apenas como suspeito?

A elucidação do mistério é essencial para que a plateia saiba com quem está lidando. Temer luta para ser compreendido. Precisa ser ouvido. Mas não se deve oferecer compreensão a quem merece interrogatório. Como superior, Temer falaria em entrevistas. Como suspeito, em oitivas, acompanhado dos advogados. Daí a importância de ultrapassar a questão preliminar. Afinal, não é a primeira vez que a PF gruda no presidente a pecha de corrupto.

Noutro relatório, enviado ao Supremo Tribunal Federal em junho, a PF também informara ter encontrado evidências que indicam "com vigor" a existência de corrupção praticada por Temer. O texto se refere ao inquérito sobre a JBS. Sem meias palavras, anota que o presidente recebeu vantagens indevidas em função do cargo. Menciona a mala com propina de R$ 500 mil repassada pela empresa de Joesley Batista a Rodrigo Rocha Loures, o preposto de Temer. Coisa filmada!

Agora, a PF diz ter colecionado novamente indícios contra Temer e os principais integrantes do seu grupo político —ou "organização criminosa". Dois são ministros e dispõe do escudo do foro privilegiado: Moreira Franco e Eliseu Padilha. Três estão na cadeia: Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves e Geddel Vieira Lima.

A exemplo do relatório anterior, este também foi entregue à Suprema Corte. Servirá de recheio para uma segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente, que só pode ser investigado mediante autorização da Câmara dos Deputados.

A nota oficial da Presidência da República, que traduz com fidelidade o pensamento de Temer, reclama a certa altura: "Garantias individuais estão sendo violentadas, diuturnamente, sem que haja a mínima reação. Chega-se ao ponto de se tentar condenar pessoas sem sequer ouvi-las. Portanto, sem se concluir investigação, sem se apurar a verdade, sem verificar a existência de provas reais."

Ai, ai, ai… No caso da JBS, a PF remeteu a Temer, com autorização do Supremo, um interrogatório escrito. Continha 82 perguntas. Agindo como um suspeito clássico, o suposto superior hierárquico da polícia se negou a responder.

Na sequência, denunciado por corrupção, Temer comprou com cargos e verbas públicas os votos dos deputados que enviaram o processo ao freezer. No momento, o presidente mobiliza novamente sua milícia legislativa para assegurar que o plenário da Câmara enterre a segunda denúncia, sonegando de novo ao Supremo a prerrogativa de analisar a consistência das acusações.

Considerando-se a tenacidade com que Temer nega as acusações de corrupção e, simultaneamente, evita que as investigações prosperem, o brasileiro fica tentado a dar razão ao presidente: "Facínoras roubam do país a verdade."

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.