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Josias de Souza

Economia serve de álibi para abafar corrupção

Josias de Souza

14/09/2017 18h42

O Planalto enterrará no plenário da Câmara a segunda denúncia contra Michel Temer com um discurso ensaiado. Adestrada e municiada com indicadores econômicos, a infantaria de deputados governistas entoará um coro com dois refrões. O primeiro diz que a recessão ficou para trás. O segundo afirma que as investidas do quase ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot não passam de flechadas irresponsáveis que podem frear o avanço da economia.

Não há em Brasília quem aposte uma cédula de real na hipótese de a Câmara autorizar o Supremo Tribunal Federal a dar andamento às investigações contra Temer e a quadrilha que Janot enxerga no coração do governo. A oposição não tem musculatura para cravar no painel eletrônico os 342 votos de que precisa. E Temer atrairá sem dificuldades o mínimo de 172 deputados que, subtraídos do total de 513 votos disponíveis na Câmara, impedirá seus rivais de atingirem a marca mágica dos 342.

A tática do governo convive, entretanto, com um grave paradoxo. Para sepultar a nova denúncia, Temer desperdiçará o tempo e a energia que lhe faltam para aprovar a reforma da Previdência. Em português claro: junto com as acusações de Janot, os deputados devem enviar à cova a pretensão do governo de mexer nas regras previdenciárias. Se isso acontecer, como parece provável, a recuperação da economia, mais lenta do que seria desejável, caminhará em ritmo de lesma.

Quer dizer: Temer conseguirá evitar a realização do pesadelo da queda. Mas não conseguirá realizar o sonho de passar à história como "presidente reformista." Não deixará de se vangloriar de ter parado de cavar o buraco que Dilma Rousseff converteu em abismo. Mas tende a ser visto pela posteridade como alguém que testou os limites da paciência do brasileiro, ressuscitando a tese de que supostas realizações de um governante perdoam todos os seus meios. No passado, esse fenômeno costumava ser chamado de "rouba, mas faz."

De costas para a sociedade brasileira, que lhe atribui uma taxa de aprovação de 7%, a mais baixa desde José Sarney, Temer ignora o saco cheio nacional. Voltará a oferecer cargos e verbas aos deputados. Se não for capaz de entregar a mãe de todas as reformas, como a equipe econômica se refere ao pacote de mudanças na Previdência, mesmo o brasileiro mais tolerante será levado a questionar se é mesmo tolerável um governo que se vende como reformista sem reformar seus velhos e maus hábitos.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.