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Josias de Souza

Socorro a Aécio Neves ‘dialoga com a impunidade’, declara senador tucano

Josias de Souza

19/10/2017 19h24

Em viagem oficial a Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, o senador Ricardo Ferraço não participou da sessão em que o Senado anulou as sanções impostas a Aécio Neves pelo Supremo Tribunal Federal. Se estivesse no Brasil, Ferraço teria levado ao painel eletrônico o único voto da bancada tucana a favor da preservação da decisão da Suprema Corte, que suspendera o mandato de Aécio e o proibira de sair de casa à noite. "Esse voto a favor do Aécio dialoga com o corporativismo e a impunidade", disse Ferraço numa entrevista ao blog, por telefone.

Para o senador tucano, Aécio não é o único problema do PSDB. Ele se queixa também da presença do partido no governo de Michel Temer. "É um governo que gasta todo o seu capital com a sua própria sobrevivência. Os parlamentares partem para cima do governo com garfo e faca na mão. E o presidente vai cedendo a todos os apetites. Cede qualquer coisa para sobreviver. O PSDB está misturado nesse troço."

Ferraço desembarcará no Brasil nesta sexta-feira. Desgostoso, anunciou que planeja se licenciar do mandato de senador no início da próxima semana. Não cogita deixar o PSDB, mas revela-se angustiado: "Quando você está afundado num buraco, a primeira coisa a fazer é parar de cavar. E o PSDB não consegue parar de cavar." O senador soa pessimista também com a política: "Estou na política há muitos anos. E nunca imaginei ver tamanha deterioração. A ficha não caiu para o mundo político. O muro é que vai cair na cabeça dos políticos analógicos. Parece que estamos vivendo o roteiro do filme baseado no livro do Saramago: 'Ensaio sobre a Cegueira'."

Vai abaixo a entrevista:

— Todos os senadores tucanos votaram a favor de Aécio Neves. Se estivesse no Brasil, como votaria? Não ter votado é como votar a favor da manutenção das sanções determinadas pelo Supremo Tribunal Federal. O placar foi de 44 a 26 a favor do Aécio. Se eu tivesse votado, teria sido 44 a 27.

— Seu voto seria a favor da manutenção da decisão do Supremo? Ah, sim. Sem nenhuma dúvida esse seria o meu voto.

— Acha que o caso de Aécio tornou a situação política do PSDB mais precária? Acho que a situação do partido vai se precarizando, vai se deteriorando. Na prática, nós revelamos uma brutal contradição. Passamos a fazer o que nós criticávamos. Esse voto a favor do Aécio dialoga com o corporativismo e a impunidade.

— Chegou a conversar com Aécio sobre sua posição? Não. Tem muito tempo que não converso com o senador Aécio.

— O senhor foi consultado sobre a decisão da bancada tucana de votar a favor de Aécio à unanimidade? Não. As pessoas sabiam qual era a minha posição. Eu achava que poderíamos ter caminhado numa nova direção.

— Esse incômodo, que começa a ser manifestado por outros tucanos, pode resultar na saída de parlamentares do partido? Existem especulações a esse respeito. A situação está ficando muito difícil. Quando você está afundado num buraco, a primeira coisa a fazer é parar de cavar. E o PSDB não consegue parar de cavar. O partido desperdiça as oportunidades que tem para se reposicionar. Isso gera um ambiente de insegurança. Daí as especulações de que algumas pessoas podem aproveitar a janela que a legislação abre para a troca partidária no mês de março.

— Cogita deixar o PSDB? Não. Tenho confiança no trabalho liderado pelo senador Tasso Jereissati. Ontem mesmo Tasso fez manifestações muito claras na direção de que não é possível mais Aécio continuar na presidência do partido. O Aécio deveria ter bom senso, tomando a decisão de se afastar unilateralmente. O que preocupa é que a gente vê que existem muitas resistências às mudanças que o Tasso representa e o partido precisaria fazer. Penso em me licenciar do mandato, para respirar um pouco.

— Como assim? Estou achando que ficar fora de Brasília por um período será uma coisa boa. Brasília não está estimulando ninguém. As decisões que Brasília tem tomado são lamentáveis. Volto para o Brasil nesta sexta-feita. No início da próxima semana, eu farei os ajustes finais, para ver o que fazer. Na prática, temos um restinho de mês de outubro, novembro e a primeira quinzena de dezembro. Não creio que tenhamos a possibilidade de engrenar uma pauta positiva nesse período. O recesso do Senado começa em 15 de dezembro. O retorno se dará em 1º de fevereiro. Aí eu volto.

— Esse provável pedido de licença do mandato está relacionado à conturbação política em que se meteu o PSDB? Sem dúvida. Está tudo junto e misturado, como se diz por aí. O PSDB e o próprio Senado precisam repensar os seus passos.

— O problema está restrito a Aécio ou inclui o apoio ao governo Temer? É evidente que essa ambiguidade em relação à presença do PSDB no governo Temer causa um enorme incômodo. Um partido como o PSDB, que tem um projeto nacional, que vai ter candidato à Presidência da República, precisa ter algumas preocupações básicas. O que vamos dizer para a sociedade brasileira em 2018? Vamos defender a continuidade da plataforma do governo Temer? Vamos falar de mudança? Qual vai ser o discurso que teremos condições de colocar em pé? Essas ambiguidades e contradições tornaram-se muito fortes.

— Que avaliação faz do governo Temer? É um governo que gasta todo o seu capital com a sua própria sobrevivência. Os parlamentares partem para cima do governo com garfo e faca na mão. E o presidente vai cedendo a todos os apetites. Cede qualquer coisa para sobreviver. O PSDB está misturado nesse troço. No final das contas, falta capital político e moral para fazer as coisas que precisam ser feitas.

— Acha que o partido deveria desembarcar do governo? Defendo isso há muito tempo.

— Não concorda com a tese de que, ao participar da aprovação do impeachment, o PSDB ficou obrigado a ajudar o governo Temer? Em primeiro lugar, nenhum de nós pode dizer que fez o impeachment. Quem fez o impeachment foi a sociedade brasileira, com a sua mobilização. Mas concordo que seria natural, num primeiro momento, que nós participássemos do governo, para ajudar. Mas logo ficou evidenciado o nível de deterioração desse governo. Nós tínhamos que ter saído. Não saímos. Fomos ficando. A pergunta é: vamos ficar até quando? Vamos sair do governo na antessala da eleição? E vamos dizer o quê? Vamos dizer lá na frente que não temos nada a ver com esse governo? Quem vai dar crédito?

— O senhor é egresso do PMDB. Imaginava encontrar no PSDB um ambiente mais asséptico. Arrependeu-se de ter trocado de partido? Não me arrependi. Mas reconheço que a realidade, para mim, está muito dura. De fato, saí do PMDB para fugir de determinadas práticas. Entrei no PSDB na perspectiva de que encontraria coisa diferente. Mas as práticas condenáveis parece que vieram atrás de mim. Não é possível continuar tomando decisões de costas para a sociedade brasileira. Está complicado.

— A política tem jeito? Estou na política há muitos anos. E nunca imaginei ver tamanha deterioração. A ficha não caiu para o mundo político. O muro é que vai cair na cabeça dos políticos analógicos. Parece que estamos vivendo o roteiro do filme baseado no livro do Saramago: 'Ensaio sobre a Cegueira'.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.