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Josias de Souza

Na publicidade de Temer, limão já virou limonada

Josias de Souza

07/11/2017 04h37

Em reunião com ministros e líderes governistas, Michel Temer tropeçou no óbvio ao reconhecer, no início da noite desta segunda-feira (6), que a reforma da Previdência pode naufragar: "Se num dado momento a sociedade não quer a reforma da Previdência, a mídia não quer a reforma da Previdência e a combate e, naturalmente, o Parlamento, que ecoa as vozes da sociedade, não quiser aprová-la, paciência. Eu continuarei a trabalhar por ela."

O mesmo Temer autorizara a divulgação de uma propaganda, pendurada horas antes na conta do governo no Twitter, que destoava do clima de caída de ficha da reunião noturna. "Fizemos do limão, limonada", anota o texto que convida o internauta a assistir à peça. "A economia melhorou. Os empregos voltaram. Estamos de volta ao jogo."

Recorrendo a um expediente manjado entre os maquiadores de imagem, a publicidade exibe cenas de torcedores nas arquibancadas. Sem citar Dilma Rousseff, a peça faz alusão à ruina que marcou a fase pré-impeachment: inflação de dois dígitos, assalto à Petrobras, desemprego lunar, juros escorchantes, o país "parado, desacreditado e desmoralizado". Ao fundo, torcedores que pareciam sofrer as dores da derrota por 7 a 1 que o Brasil sofreu da Alemanha na Copa de 2014.

Súbito, aparecem no vídeo frases e imagens de deixar corado Lourival Fontes, o chefe do Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo, criador da expressão "pai dos pobres." A batucada, que soava lenta, acelerou. Os torcedores amargurados foram substituídos por brasileiros eufóricos. "Mas aqui é Brasil", diz a peça. "Viramos esse jogo".

Muitos brasileiros, depois de comparar o timbre surpreendentemente realista do Temer da reunião com o tom ufanista do comercial avalizado por ele poderiam pedir para viver no Brasil que a publicidade oficial descreve com tanto entusiasmo. Um país onde o PMDB não foi sócio do PT na roubalheira, e cujo presidente não enxerga um culpado no espelho.

Neste Brasil, a exemplo do que ocorre nos dicionários, a celebração vem bem antes do trabalho. No outro país, aquele em que o governo culpa a sociedade e a mídia pelos votos que não consegue reunir no Congresso, os desempregados ainda compõem uma legião de 13 milhões de pessoas. E a celebrada recuperação econômica é um feito parcial sujeito a retrocessos.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.