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Josias de Souza

Como auditor de si mesmo, o TCU é uma piada

Josias de Souza

23/11/2017 02h23

O Brasil aprecia tanto as piadas que tem uma como Tribunal de Contas da União. A última do TCU é uma investigação interna sobre tráfico de influência no próprio tribunal. Apurou-se denúncia feita pelo empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da Construtora UTC. Delator da Lava Jato, ele disse que pagou propinas ao advogado Thiago Cedraz em troca de decisões favoráveis à sua empresa numa fiscalização sobre as obras da usina nuclear de Angra 3. O caso ganhou as manchetes em 2015.

De acordo com o empreiteiro, Thiago Cedraz lhe garantiu acesso a dois ministros do TCU: o pai dele, Haroldo Cedraz, e o atual presidente do tribunal, Raimundo Carrero. Inquérito da Polícia Federal concluiu: havia "indícios suficientes de que a articulação buscada por Ricardo Pessoa através de Thiago Cedraz surtiu efeito, quando analisados a dinâmica do andamento processual na corte de contas e o comportamento dos ministros Aroldo Cedraz e Raimundo Carreiro".

Relator da investigação interna do TCU, o ministro José Múcio Monteiro concluiu o contrário. Mandou o caso para o arquivo por considerar que "não há indícios mínimos, sequer de evidências de autoria e materialidade de envolvimento de autoridade e servidores do Tribunal de Contas em suposto tráfico de influência ou acesso privilegiado a dados e informações do TCU por advogados vinculados ao escritório Cedraz & Tourinho Dantas".

A peça redigida por Múcio, um ex-deputado do PTB pernambucano, ex-ministro de Lula, ganha ares de anedota no trecho que informa sobre a falta de condições do TCU para se auto-investigar. A coisa fica realmente hilária na passagem em que o ministro registra a inexistência de registros telefônicos ou mesmo de entrada das pessoas no prédio do TCU.

Quer dizer: o TCU levou quase dois anos para concluir que os gabinetes de seus ministros não registram os telefonemas e sua portaria não sabe quem passou pela catraca. Quem lê o texto de Múcio fica tentado a gargalhar ao verificar que o ministro deixou entreaberta uma porta para a reabertura do caso na hipótese de surgimento de fatos novos. A providência é bastante conveniente, pois há um inquérito sobre o caso tramitando no Supremo Tribunal Federal.

Ouvidos, os ministros negam tudo. Dizem desconhecer o empreiteiro Ricardo Pessoa. Se o relator José Múcio aprofundasse um pouco mais sua sindicância, talvez descobrisse que os colegas Cedraz e Carreiro não conhecem direito nem a si próprios. Levam sustos frequentes defronte do espelho.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.