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Josias de Souza

Temer acalenta a sério ideia de se recandidatar

Josias de Souza

29/11/2017 16h53

Todos os governos, por piores que sejam, cultivam seus mitos de excepcionalidade. Mas é inédita na história a pretensão de Michel Temer de ser um estadista, que merece não só o reconhecimento coletivo como a reeleição à Presidência da República. Em entrevista, o chefe da Casa Civil Eliseu Padilha declarou que Temer não tem pretensões políticas senão a de "cumprir bem o seu mandato". Acrescentou que a reeleição não está nos planos do presidente. E emendou: "Por enquanto…"

Não é o cinismo de Temer e seu sucesso entre os áulicos peemedebistas que assustam. O cinismo pelo menos é uma coisa consciente. Pode-se compreender que um grupo político recoberto de lama queira camuflar sua imoralidade atrás de hipotéticos projetos reformistas. O que assusta mesmo é a percepção de que nem Temer nem os seus apologistas estão sendo cínicos. Eles acreditam mesmo que fazem ao país o favor de realizar um governo salvacionista, que lhes dá o direito de reivindicar a continuidade.

Se Temer não for candidato, informou Padilha, o PMDB apoiará outro nome. Com uma condição: tem que "defender o legado do governo Temer", uma gestão que executa a missão especial de "colocar o Brasil nos trilhos." Os comentários do ministro desconsideram o fato de que Temer não impulsiona as reformas. Ele as enterra, como sucede agora com a não-reforma da Previdência. Ele não conserta a economia, mas torna mais lenta uma retomada do crescimento que poderia ser exuberante.

É certo que o humor compreende também o mau humor. Mas o mau humor que assegura a Temer o título de campeão de impopularidade não compreende que uma piada possa sonhar com a reeleição à Presidência da República. O projeto político que se esconde atrás do "por enquanto" de Padilha é real. Temer passou a acalentar a fantasia de comparecer às urnas de 2018 como recandidato.

Considerando-se o rastro pegajoso deixado pelas duas denúncias criminais congeladas pela Câmara, Temer sonha não com uma nova Presidência, mas com a preservação do escudo da imunidade presidencial. O sucesso do empreendimento depende do reconhecimento de que o Brasil virou uma nação de idiotas.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.