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Josias de Souza

Ileso, general Mourão toma gosto pela anarquia

Josias de Souza

08/12/2017 19h49

Num enredo sério, general que leva os lábios ao trombone para alardear intervenções militares é punido pelo governo que avacalhou. Quando a punição não chega, instala-se uma atmosfera de gafieira que estimula a avacalhação. Foi o que sucedeu com o general Antonio Hamilton Mourão.

Em setembro, veio à luz o vídeo com palestra na qual o general Morão admitiu a hipótese de "intervenção militar" como remédio para a crise, caso o Judiciário não conseguisse deter a corrupção. Diante de um oficial capaz de tudo, seus superiores hierárquicos, que deveriam punir a indisciplina, revelaram-se incapazes de todo.

Decorridos menos de três meses, o general Mourão voltou à carga. Em nova palestra, foi à jugular de Michel Temer, supostamente o comandante em chefe das Forças Armadas: "Não há dúvida que atualmente nós estamos vivendo a famosa 'Sarneyzação'. Nosso atual presidente vai aos trancos e barrancos, buscando se equilibrar, e, mediante o balcão de negócios, chegar ao final de seu mandato."

Em seguida, o general voltou a trombetear o golpe: "Se o caos for ser instalado no país… E o que a gente chama de caos? Não houver mais um ordenamento correto, as forças institucionais não se entenderem, terá que haver um elemento moderador e pacificador nesse momento […]. Mantendo a estabilidade do país e não mergulhando o país na anarquia, agindo dentro da legalidade, ou seja, dentro dos preceitos constitucionais, e usando a legitimidade que nos é dada pela população brasileira."

Em setembro, quando Mourão soltou a língua, o ministro Raul Jungmann (Defesa) reagiu com três dias de atraso. Declarou numa nota que discutiria com o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, a adoção "das providências cabíveis". No dia seguinte, o ministro foi desautorizado por Villas Bôas.

"Punição não vai haver", declarou o comandante, numa entrevista em que chamou o transgressor de "grande soldado, uma figura fantástica, um gauchão". E ainda insinuou que concordava com o amigo. Villas Bôas propagou o exótico entendimento segundo o qual, na "iminência de um caos", a Constituição concede às Forças Armadas "um mandato" para intervir.

Diante da má repercussão de suas declarações, Villas Bôas emitiu uma nota para se reposicionar em cena. Escreveu: "O Exército Brasileiro é uma instituição comprometida com a consolidação da democracia em nosso país."

Noutro trecho, acrescentou: "Em reunião ocorrida no dia de ontem, o comandante do Exército apresentou ao sr. ministro da Defesa, Raul Jungmann, as circunstâncias do fato e as providências adotadas em relação ao episódio envolvendo o General Mourão, para assegurar a coesão, a hierarquia e a disciplina."

O comandante do Exército absteve-se de informar que "providências" adotou para resguardar a "hierarquia e a disciplina". Soube-se apenas que punição não houve. Ficou entendido que, sob Michel Temer, um presidente condecorado pela Procuradoria com duas denúncias criminais por corrupção e crimes afins, o general indisciplinado é o menor dos problemas. Impune, Mourão apenas tomou gosto pela anarquia de um governo avacalhado.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.