Reforma da Esplanada é uma troca de cúmplices
Se 2017 foi o ano da tempestade, 2018 será o ano da cobrança. Depois de vender a alma para enterrar duas denúncias criminais na Câmara, um exame de consciência levaria Michel Temer a pensar numa boa faxina. Mas este é um governo guiado pela inconsciência moral. E o presidente, sem demora, já nas primeiras horas do ano, deflagrou uma nova orgia em cima dos detritos da farra anterior. Não teve tempo nem de limpar a mancha na almofada, colocar o abajur em pé e verificar se alguém ficou escondido atrás do sofá. Reabriu o balcão das barganhas à luz do dia, na frente das crianças.
Se a Lava Jato serviu para alguma coisa foi para elevar à última potência a sensação de que o caruncho do clientelismo e do fisiologismo resulta em corrupção. Mas Temer decidiu que todas as zonas da administração pública entregues a partidos com vocação para tirar lasca$ do Estado serão mantidas sob os cuidados das mesmas legendas. Os suspeitos que deixarem a Esplanada para ir às urnas darão lugar a outros suspeitos indicados pelos mesmos PTBs e PRBs. É como se o governo admitisse tacitamente que considera uma dose de perversão inevitável.
Em qualquer país do mundo, um volume de 12,5 milhões de desempregados levaria o governo a tratar com reverência uma pasta batizada de Ministério do Trabalho. No Brasil de Temer, esse pedaço vital da máquina pública pertence ao PTB. E passará a ser gerenciado pela deputada Cristiane Brasil, filha do ex-deputado Roberto Jefferson. Na saída de um encontro com o presidente, Jefferson contou como tudo se deu:
"O nome dela surgiu, não foi uma indicação. Nós estávamos conversando, aí, falou, 'Roberto, e a Cristiane, por que não a Cristiane?'. Foi da cabeça do presidente. Ela é uma menina experimentada, foi secretária municipal em vários governos na cidade do Rio de Janeiro, por que não? Falei, 'presidente, aí o senhor me surpreende, eu vou ter que consultar'. Aí liguei para ela. Ela disse: 'pai, eu aceito'."
Súbito, as lágrimas inundaram os olhos de Jefferson diante das câmeras. Está emocionado?, indagou uma repórter. O entrevistado confirmou. Delator do mensalão, Jefferson teve o mandato de deputado passado na lâmina. Condenado pelo Supremo Tribunal Federal a 7 anos e 14 meses de cadeia, puxou 1 ano e 2 meses de cana. Contra esse pano de fundo tóxico, disse ter enxergado na conversão da filha em ministra um resgate da imagem da família.
Que beleza! Os empregos continuam sumidos. Mas o governo sujo de Temer resgatou a imagem mal lavada do clã de Jefferson. "Alvíssaras!", gritarão os desempregados nas filas, brandindo seus currículos inúteis. O nome de Cristiane soou na delação da JBS como participante de negociação que rendeu R$ 20 milhões ao PTB. O dinheiro comprou o apoio da legenda à candidatura presidencial de Aécio Neves em 2014. Cristiane foi mencionada também na delação da Odebrecht como beneficiária de mochila com R$ 200 mil.
Nada disso resultou, por ora, em investigação, apressa-se em dizer a filha de Jefferson. Preocupação tola. Num governo presidido pelo primeiro presidente da história a ser denunciado criminalmente no exercício do mandato, um par de menções em inquéritos vale como medalhas de honra ao mérito. Não bastasse tais credenciais, ao pronunciar a frase fatídica —"Pai, eu aceito!"— a filha de Jefferson deixou aliviado o oligarca José Sarney, que vetara o deputado maranhense Pedro Fernandes, primeira sugestão do PTB para a pasta do Trabalho.
Assumirá a vaga de Cristiane na Câmara dos Deputados um suplente do também governista PSD, partido controlado pelo ministro Gilberto Kassab (Ciência e Tecnologia). Chama-se Nelson Nahin. É irmão de um político manjado: Anthony Garotinho. Arrasta a bola de ferro de uma condenação a 12 anos de cadeia por exploração sexual de menores e adolescentes no Rio de Janeiro. Passou uma temporada de quatro meses atrás das grades. Foi libertado em outubro passado, graças a um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal..
O condenado Nahin será recepcionado na base congressual de Temer com fogos de artifício. Se der uma declaração a favor da reforma da Previdência, verá um tapete vermelho estender-se sob seus pés na entrada do Palácio do Planalto. Não demora e estará na fila das emendas e dos cargos, pois em Brasília nada se cria, nada se transforma, tudo se corrompe.
Mal foi resolvido o impasse da pasta do Trabalho, já aportou na mesa de Temer a carta de demissão do ministro da Indústria e Comércio. Você talvez não se lembre, mas esse outro cargo estratégico era ocupado por um personagem opaco: Marcos Pereira. Trata-se de um pastor da igreja Universal, que dá as cartas no PRB. Ele responde a inquérito no Supremo. Seu nome também soou na delação da JBS. Mas Temer já bateu o martelo: a vaga permanecerá com o PRB. Amém!
Estima-se que até o início de abril, prazo limite para que os candidatos deixem seus cargos no Poder Executivo, pelo menos 17 ministros pedirão para sair. Mantido o padrão das primeiras substituições, os partidos que enxergam na Esplanada oportunidades de negócios não perdem por esperar. Ganham!
O problema não começa nas legendas. Começa no presidente, que oferece graciosamente os ministérios. Temer não é o primeiro a fazer isso. É apenas um dos mais despudorados. Se existem áreas abertas à barganha mesmo com a Lava Jato a pino é porque o cinismo tornou-se uma marca indissociável do atual governo. PTBs e PRBs apenas jogam o jogo que lhes é proposto. E Temer decidiu tratar a reforma de sua equipe de governo não como uma substituição de ministros, mas como uma troca de cúmplices.
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