Barbárie do Rio dá meia-sola no governo Temer
A barbárie do Rio de Janeiro revelou-se muito oportuna para Michel Temer. Potencializada pelo Carnaval, a barbárie estimulou o presidente. Ele andava meio desanimado com a perspectiva de ser empurrado para o rodapé de um noticiário monopolizado pelas eleições. A barbárie deu a Temer uma sensação de utilidade.
A barbárie permitiu que o chefe da nação fizesse rostos graves. Em menos de 24 horas, Temer perfilou-se diante das câmeras três vezes —em solenidade no Planalto, em rede nacional, em visita ao Rio. A barbárie aguçou a inteligência do presidente. As ideias agora brotam-lhe aos pares. Sob atmosfera sombria, vieram à luz duas providências.
Uma medida é inédita em tempos redemocratizados: o setor de segurança encontra-se sob intervenção federal no Rio. A outra iniciativa é recorrente: vem aí o Ministério Extraordinário da Segurança Pública.
A intervenção no Rio é prima-irmã da operação de garantia da lei e da ordem que transferiu os militares dos quarteis para o sopé das favelas cariocas. Mas a barbárie trouxe o comando unificado do general-interventor Walter Souza Braga Neto.
O novo ministério apenas absorverá pedaços do organograma da velha pasta da Justiça que, aliás, já trazia a Segurança Pública enganchada no nome desde o ano passado. A diferença é que a barbárie exigiu um ministro que lhe dedicasse atenção exclusiva.
Seria intolerável continuar com a situação que está no Rio de Janeiro. Queremos que o estado, com medidas firmes e seguras, proteja os mais vulneráveis. #BrasilPeloRio pic.twitter.com/pXuEp2YX6G
— Michel Temer (@MichelTemer) 17 de fevereiro de 2018
A barbárie roçou no nariz de Temer as pesquisas encomendadas pelo PMDB, que guindavam a segurança pública ao topo das inquietações do brasileiro. Súbito, a reforma da Previdência, uma derrota esperando para acontecer na Câmara, foi substituída pela guerra contra a bandidagem, cujo objetivo é a restauração da paz.
Graças à barbárie, Temer se deu conta de que o futuro é um espaço bem mais seguro do que o passado que lhe rendeu duas denúncias criminais e uma equipe ministerial moralmente decomposta. O futuro permite a qualquer governante vender para seus governados mais crédulos uma felicidade jamais vista.
A barbárie mostrou ao presidente que no futuro cabe tudo, pois, sendo futuro, não pode ser apalpado nem conferido. O futuro que inclui um Rio pacificado talvez não chegue nunca. Mas a barbárie já terá sido de imensa serventia para Temer se o crime organizado perceber que pode ser ótimo para os negócios deixar Ipanema em paz durante os dez meses de intervenção federal.
A barbárie revelou ao país que Temer é capaz de quase tudo, menos de informar o montante de dinheiro que a União está disposta a jogar no buraco negro em que se converteu a segurança pública. Sem dinheiro, o discurso do novo Temer é uma espécie de inócuo com mesóclises.
Para sorte de Temer, a barbárie ofusca o senso crítico dos barbarizados. A cegueira coletiva facilita muito as coisas, pois o PMDB sujo de Brasília pode intervir na administração do PMDB mal lavado do Rio como se a facção de Temer não tivesse nada a ver com a quadrilha de Sérgio Cabral.
A barbárie dá ao país a sensação de que Temer está fazendo muito. É como se tudo estivesse em movimento sem que nada precisasse mudar de lugar. Reprovado por 70% dos brasileiros, Temer enxerga na barbárie a renascença de uma reeleição. Talvez não obtenha tudo o que imagina. Mas a barbárie do Rio de Janeiro deu meia-sola no governo de Michel Temer.
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