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Josias de Souza

Temer submete a ação federal contra a bandidagem a conselho de investigados

Josias de Souza

20/02/2018 04h46

Com atraso, Michel Temer submeteu nesta segunda-feira ao Conselho da República o decreto sobre a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, editado três dias antes. Excluindo-se uma trinca de representantes da sociedade civil, nomeada no mesmo dia, a toque de caixa, nove das 16 autoridades que integram o colegiado —ou 56% do total— respondem a processos por suspeita de corrupção no Supremo Tribunal Federal.

Repetindo: o colegiado em que foram debatidas as providências adotadas pelo Planalto para combater a bandidagem e as quadrilhas do Rio é majoritariamente composto de réus, denunciados ou investigados pela prática de crimes. Integram o rol dos conselheiros suspeitos:

1. O próprio Michel Temer.

2. Eunício Oliveira (PMDB-CE), presidente do Senado.

3. Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara.

4. Eliseu Padilha, ministro-chefe da Casa Civil.

5. Moreira Franco, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência.

6. André Moura (PSC-SE), líder do governo no Congresso.

7. Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), líder do governo na Câmara

8. Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado.

9. José Guimarães (PT-CE), líder da minoria na Câmara.

O grupo dos sem-inquérito era composto pelos ministros Torquarto Jardim (Justiça), Henrique Meirelles (Fazenda), Dyogo Oliveira (Planejamento); e Carlos Marun (Secretaria de Governo); além dos congressistas Raimundo Lira (PMDB-PB), líder da maioria no Senado; Humberto Costa (PT-PE), líder da minoria no Senado; e Lelo Coimbra (PMDB-ES), líder da maioria na Câmara.

Participaram da mesma reunião os membros do Conselho de Defesa, outro colegiado que a Constituição obriga a opinar sobre intervenções federais nos Estados. Parte da composição é repetida, pois os investigados Temer, Eunício Oliveira e Rodrigo Maia integram os dois grupos. Esse segundo conselho inclui mais um processado no Supremo, o chanceler tucano Aloysio Nunes.

De resto, integram o segundo conselho os ministros Raul Jungmann (Defesa) e Sergio Etchegoyen (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência); e os três comandantes militares: almirante Eduardo Bacelar (Marinha); brigadeiro Nivaldo Luiz Rossatto (Aeronáutica); e o general Eduardo Villas Bôas (Exército) .

A presença de autoridades sujas nas poltronas dos mais nobres conselhos da República adiciona uma dose de escárnio na ação federal contra os bandidos mal lavados do Rio. Ao anunciar a intervenção federal, Temer declarou que a providência tornou-se necessária porque "o crime organizado quase tomou conta do Estado." Diagnosticou o problema como uma "metástase". E prometeu "respostas duras" contra "o crime organizado e as quadrilhas."

É como se as autoridades de Brasília não enxergassem culpados no espelho. O fenômeno se estende ao Legislativo. Uma Câmara apinhada de clientes da Lava Jato aprovou na madrugada desta terça-feira o decreto de Temer. O placar foi elástico: 340 votos a 72 (aqui, a lista de votação). No início da sessão, o presidente da Casa, Rodrigo Maia, pronunciou um discurso duríssimo contra os crimes alheios. Vai abaixo um trecho:

A "metástase" que Michel Temer enxerga no crime organizado alastrou-se também pelo governo esculhambado do Estado do Rio de Janeiro.

Fernando Pezão, o hipotético governador fluminense, viveu o ápice da administração cleptocrata do ex-governador Sérgio Cabral, hoje um presidiário longevo. Pezão foi secretário de Obras e vice-governador de Cabral. No momento, frequenta a cena como uma evidência de que, no universo da política, existe vida depois da morte. A partir de 2019, sem as imunidades do cargo, Pezão se arrisca a ressuscitar na pele de um réu.

Nesta terça-feira, o decreto sobre a intervenção no Rio deve ser votado no Senado, outra casa legislativa que serve de bolha para proteção de suspeitos que dispõem de foro privilegiado.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.