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Josias de Souza

Candidatura de Temer é sonho de quem teme PF

Josias de Souza

23/02/2018 18h57

No Brasil, o inacreditável às vezes se torna crível. Prova disso é o surgimento da candidatura presidencial de Michel Temer, tão negada quanto ansiada. Mas mesmo num país de tantas extravagâncias ainda não foi inventada uma maneira de transformar o impossível em possível. A hipótese de Temer ser reeleito, para além das pendências legais, é quase uma impossibilidade matemática.

De acordo com o Datafolha, o governo Temer é reprovado por 70% dos brasileiros com mais de 16 anos. Repetindo: de cada dez eleitores, sete consideram a administração atual ruim ou péssima. Um índice indigesto como esse faz de Temer um personagem tóxico. Ele envena não apenas as pretensões políticas que pudesse ter, mas as outras candidaturas ao seu redor.

Temer costuma vangloriar-se de ter recolocado a economia no rumo do crescimento. A inflação abaixo da meta e os juros cadentes justificam parcialmente a pose. Mas Temer não capitaliza os poucos avanços. Tornou-se uma espécie de teflon às avessas. O que é bom não gruda na imagem dele.

A sete meses da eleição, além de não exibir um potencial mínimo de votos, Temer arrasta a mais exuberante taxa de rejeição: 60% dos brasileiros afirmam que não votariam nele de jeito nenhum. É uma bola de ferro maior do que a aversão atribuída ao notável Fernando Collor (44%). Ou a Lula (40%).

Se entrasse na disputa com índices assim, tão extraordinariamente negativos, Temer se tornaria um candidato favorito a fazer de um dos seus opositores o próximo presidente do Brasil. Se Deus retornasse à Terra e suplicasse aos brasileiros que elegessem Temer, seria recrucificado. Sem direito a ressurreição.

Deve-se a ideia de empinar a candidatura presidencial de Temer aos amigos-ministros que rodam a maçaneta do gabinete presidencial sem ser anunciados. Imagina-se que a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro operará o milagre de transformar vinagre em vinho. O raciocínio é impulsionado pelo medo, não pela lógica.

Todas as opiniões sobre as chances eleitorais de Temer são suspeitas porque são opiniões de pessoas como os ministros palacianos Moreira Franco e Eliseu Padilha. Foram denunciados criminalmente pela Procuradoria junto com Temer. E não é fácil ser completamente objetivo sobre o futuro da própria espécie. Assim, o otimismo sobre as chances eleitorias de Temer é suspeito porque é um otimismo de amigos que, fora da bolha protetora do foro privilegiado, ficam sujeitos a receber a visita matutina da Polícia Federal.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.