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Josias de Souza

Exército quer medidas legais de ‘caráter excepcional’ na intervenção do Rio

Josias de Souza

24/02/2018 03h54

Na definição de Michel Temer, a violência no Rio de Janeiro virou "metástase". Isso acontece quando células cancerígenas se desprendem de um tumor e percorrem a corrente sanguínea à procura de encrenca, instalando-se em tumores secundários espalhados pelo organismo. Na avaliação do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, o combate ao câncer exige remédios legais fora do comum.

Em artigo veiculado na última edição da revista Veja, Villas Bôas anotou o seguinte sobre a atuação das Forças Armadas na segurança pública do Rio, sob intervenção federal: "Considerando a gravidade do cenário, divulgado amplamente pela mídia nacional e internacional, é importante que medidas legais, em caráter excepcional, sejam estabelecidas para que os militares possam atuar com maior efetividade e obtenham os resultados almejados pela sociedade, sempre respeitando as garantias constitucionais."

O artigo do general tem a transparência de um vidro fumê. Ele se absteve de enumerar as providências legais que supostamente tornariam mais efetivo o trabalho dos militares no Rio. Esquivou-se de esclarecer também até onde a excepcionalidade terá que chegar para que a sociedade receba os resultados que almeja sem que a Constituição sofra arranhões.

Villas Bôas limitou-se a insinuar que os brasileiros podem confiar nas Forças Armadas de olhos fechados: "As instituições militares têm se posicionado há décadas como organismos de Estado, fiéis cumpridoras do regramento democrático. É passado da hora de acreditar nas Forças Armadas e instrumentalizá-las legalmente para que possam fazer o seu trabalho."

O comandante do Exército parece estar obcecado em evitar que os militares enfrentem problemas legais por conta de sua atuação no Rio. Na última segunda-feira, durante reunião de Temer com os conselhos da República e de Defesa, Villas Bôas se disse preocupado com a "insegurança jurídica" a que estão submetidos os militares. Numa analogia infeliz, pediu "garantias" que afastem a farda do risco de ter que enfrentar, dentro de três décadas, uma "nova Comissão da Verdade."

A referência soou esquisita porque a Comissão da Verdade, criada sob a presidência de Dilma Rousseff, teve a incumbência de apurar violações aos direitos humanos durante o regime militar —coisas como tortura e sumiço de pessoas, cuja repetição ninguém toleraria. De resto, o próprio comandante do Exército anotou em seu artigo que "as instituições militares têm se posicionado há décadas como organismos de Estado, fiéis cumpridoras do regramento democrático." Sendo assim, não há razões para preocupação.

Villas Bôas zelaria pelo sossego nacional se informasse de uma vez, sem subterfúgios, quais são as medidas legais que gostaria de adotar "em caráter excepcional." Nos últimos dias, o governo já desperdiçou tempo e saliva demais tentado se livrar da polêmica sobre os mandados coletivos de busca e apreensão. O general deveria ser mais claro, mesmo que em caráter excepcional.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.