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Josias de Souza

Jungmann chuta Segovia para demarcar a área

Josias de Souza

27/02/2018 20h17

Não está escrito em nenhum manual. Mas existe entre os zagueiros uma regra segundo a qual a primeira entrada no adversário deve ser na canela. É a melhor maneira de demonstrar quem manda nos arredores da grande área. E nenhum juiz expulsa jogador nos primeiros minutos do jogo. Empossado na nova pasta da Segurança, Raul Jungmann tinha no diretor da PF, Fernando Segóvia, seu problema mais imediato. Com a rapidez de um raio, retirou-o de campo. E Michel Temer, que ficaria mal se esboçasse contrariedade, assentiu. Na véspera, auxiliares do presidente diziam que nada mudaria na PF.

Segóvia caiu porque sua companhia tornou-se constrangedora. No afão de prestar serviços a Temer, o personagem esqueceu de maneirar. No Carnaval, tisnara a imagem da PF ao insinuar que o inquérito sobre propinas portuárias, estrelado pelo presidente, desceria ao arquivo. De resto, deixara no ar a impressão de que o delegado que perscrutava o calcanhar de vidro de Temer poderia ser punido. Antes, Segóvia já havia declarado que a mala com a propina de R$ 500 mil que a JBS entregou a Rocha Loures, o preposto de Temer, não era prova de nada.

Ao inaugurar sua gestão com um lance de zagueiro, Jungmann livrou-se de um personagem contagioso. Na chegada à pasta da Segurança, seu maior excesso seria a moderação com um diretor da PF execrado pela corporação, repreendido pela Procuradoria e proibido pelo Supremo Tribunal Federal de abrir a boca. Ao enviar Segovia à maca, o novo ministro fez o que precisava ser feito. Mas criou uma situação crivada de ironias.

Além da ironia maior de tourear uma "guerra" contra o crime organizado por procuração de um presidente com duas denúncias criminais e um inquérito nas costas, o novo titular da Segurança viu-se compelido a desferir sua primeira canelada não num adversário, mas num jogador do time do governo. E não era nenhum centro-avante. Ao contrário. Tratava-se de outro zagueiro, escalado por José Sarney para conter os atacantes da Lava Jato. Junto com Segovia, saiu de campo numa maca a ideia de que é possível domesticar a Polícia Federal.

A demissão de Fernando Segovia chegou bem e veio tarde. O inaceitável comandou a PF por inacreditáveis 99 dias. O novo diretor da PF, Rogério Galloro, era o número dois na hierarquia da PF na gestão de Leandro Daiello, o ex-diretor da PF que se notabilizou por dar asas à Lava Jato.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.