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Josias de Souza

Temer cria a segurança como passe de mágica

Josias de Souza

27/02/2018 15h29

O oposto do antigovernismo primário é um pró-governismo inocente, que aceita todas as presunções de Michel Temer a seu próprio respeito. Em matéria de segurança pública, isso inclui concordar que Temer adotará, como prometeu, "todas as providências necessárias para enfrentar e derrotar o crime organizado e as quadrilhas" que infernizam o Rio de Janeiro. Mais: por meio do recém-criado Ministério Extraordinário da Segurança Pública, Temer, como um super-herói de quadrinhos, levará segurança ao resto do país, cumprindo uma missão que parecia inalcançável para gestores humanos. Tudo isso nos dez meses que restam de mandato ao super-presidente.

Nos últimos dias, Temer e seus operadores políticos dedicaram-se a implantar no setor da segurança pública um clima de passe de mágica. Nesta terça-feira, esgotou-se a fase do espalhafato. Hipnotizada, a plateia espera pelo grande ato. Pesquisas feitas sob encomenda do Planalto revelaram que o intervencionismo redentor de Temer foi aprovado por mais de 80% dos cariocas. A esse índice corresponde uma extraordinária expectativa. Que não será saciada por uma mágica convencional. Não basta a Temer retirar coelhos da cartola. O presidente terá de retirar cartolas de dentro dos coelhos.

Dois atos encerraram a fase dos preparativos. Num, o general-interventor Walter Braga Netto apresentou no Rio o seu plano de trabalho. Noutro, Raul Jungamann assumiu em Brasília o posto de ministro Extraordinário da Segurança Pública. Em ambos ficou evidente a violência não é boa matéria prima para mágicas.

Dez dias depois de ter sido arrancado das férias para assumir as funções de "governador" da segurança do Rio, Braga Netto decepcionou quem esperava que ele se incorporasse ao espetáculo. Confirmando seu perfil técnico, o general não manuseou nem coelhos nem cartolas. Produziu algo muito parecido com um anticlímax.

Falando para jornalistas ávidos por uma manchete impactante, o general pôs-se a discorrer sobre miudezas. Vai combater os "gargalos" da segurança. Cuidará da melhoria da frota, da valorização dos policiais, do reforço da corregedoria… Ah, sim, neste primeiro momento, os comandos das polícias não serão trocados. A propósito, não haverá ocupações espetaculares e longevas de favelas por tropas militares. Apenas as operações pontuais, dessas que já viraram parte da paisagem do Rio, como o Pão de Açucar.

Discursando para uma audiência que incluía autoridades dos três Poderes, Raul Jungmann expôs um diagnóstico tão preciso quanto trágico da (in)segurança pública no país. Começou expondo o pesadelo que faz do Brasil uma usina de mortes violentas: 61 mil assassinatos por ano. E terminou evocando Martin Luther King no célebre discurso "I have a dream". O ministro disse que seu sonho é viver num Brasil em que as crianças possam brincar nas ruas e as pessoas possam caminhar pelas cidades sem medo. Coisa difícil de ser obtida em dez anos. Que dirá em dez meses!

No caso do governo Temer, o que espanta não é a hipocrisia eleitoreira. A politicagem pelo menos é algo esperado de um presidente denunciado e investigado por corrupção. O que assusta mesmo é quando o desespero leva brasileiros ingênuos a acreditarem que o presidente não está sendo cínico quando diz que combaterá e derrotará o crime organizado e as quadrilhas.

Logo que os efeitos temporários do cinismo forem substituídos pelo império da lógica, Temer estará em apuros. Mas ninguém sabe quanto tempo vai durar o efeito da anestesia que mantém a plateia hipnotizada, à espera da cartola que sairá de dentro do coelho. Temer torce para que sua mágica dure pelo menos até 31 de dezembro de 2018.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.