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Josias de Souza

FHC enxerga Alckmin-2018 com olhos de coveiro

Josias de Souza

28/02/2018 03h08

Para um pedaço do tucanato, Fernando Henrique Cardoso tornou-se um ancião excêntrico, que é tolerado pela família porque, afinal, é da família. Mas o grupo de Geraldo Alckmin não sabe muito bem como tratá-lo. FHC atravessa aquela fase da existência em que a pessoa já viveu o bastante para saber que certas opiniões podem lhe custar amigos. Mas às vezes ele prefere ter opiniões a ter amigos.

Nesta terça-feira, em evento promovido pelo Estadão, FHC sapecou: "Vou dizer algo que vai desagradar meus amigos. Mas quem for candidato do mercado vai perder, porque será simbolizado como dos ricos. Aí acabou, porque o país não é composto por mercado só. Tem que ser um candidato que faça as pessoas sentirem que a vida delas estará segura e terá mais oportunidades e decência."

No momento, três pretendentes ao trono têm a cara de candidatos do mercado: Alckmin, o ministro da Fazenda Henrique Meirelles e o presidente da Câmara Rodrigo Maia. Nenhum deles exibe índices exuberantes nas pesquisas. Mas as taxas de Alckmin são, digamos, menos piores. O que leva o mercado a acender velas por ele. FHC dedica-se a soprar as chamas.

Alckmin acaba de confiar a confecção do seu projeto econômico ao economista Pérsio Arida, um dos pais do Plano Real. Após defini-lo como "gênio", FHC declarou que a maioria do eleitoado não quer saber de planos técnicos. Para ele, não basta ao candidato ter "gênios" em seu comitê. É preciso que o pretendente ao Planalto saiba trazudir as propostas, seduzindo o eleitor.

Crivado de perguntas sobre o potencial de vitória de Alckmim, o ancião do ninho disse que o candidato "tem chance". E logo se explicou: "Eu digo chance porque estou fazendo uma análise. Depende de como se desempenhe." A cada movimento dos lábios, FHC deixa mais claro que enxerga a candidatura do correligionário com um entusiasmo de coveiro.

Em privado, FHC afirma objetivamente que Alckmin não empolga. Embora o candidato se considere vivo na disputa, o ex-presidente tucano o trata como um vivo tão pouco convincente que logo começará a receber coroas de flores. É como se o ancião tivesse pesadelos todas as noites. Nos sonhos ruins, FHC está na poltrona do piloto. Ele dialoga com seus botões como se fossem co-pilotos:

— Porta dianteira fechada, diz FHC no pesadelo.

— OK, confere, respondem os seus botões.

— Porta traseira…

— Porta traseira fechada.

— Pressurização acionada.

— Ok.

— Temperatura interna 22 graus.

— 22 graus. Confere.

— Flaps da direita em 'on'.

— Confere.

— Flaps da esquerda…

— Acionados.

— Então. vamos levantar vôo.

— As turbinas não respondem!

— Como?

— Minha nossa! Estamos sem as turbinas!

— Como fomos embarcar nessa?!? Sabia que estava faltando algo!

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.