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Josias de Souza

PGR leva 5 meses para incluir Temer em inquérito sobre o jantar no Jaburu

Josias de Souza

28/02/2018 04h56

A procuradora-geral da República Raquel Dodge pediu nesta terça-feira ao Supremo Tribunal Federal a inclusão de Michel Temer na lista de investigados do inquérito sobre o jantar do Jaburu em que Marcelo Odebrecht foi mordido em R$ 10 milhões. Ela poderia ter tomado essa providência logo depois de sua posse na chefia do Ministério Público Federal, em 17 de setembro do ano passado. Contudo, demorou mais de cinco meses para encaminhar a petição ao ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato.

Rodrigo Janot, o antecessor de Raquel Dodge, havia excluído Temer do inquérito, aberto há um ano, sob a alegação de que ele desfrutava de "imunidade temporária" por conta do parágrafo 4º do artigo 86 da Constituição. Nesse trecho, o texto constitucional prevê que o presidente da República, enquanto estiver exercendo o mandato, "não pode ser responsabilidado por atos estranhos ao exercício de suas funções." Os fatos delatados pela turma da Odebrecht ocorreram na época em que Temer ainda era vice de Dilma Rousseff.

Dodge discorda de Jantot. Para ela, a Constituição veda a apresentação de denúncias contra o presidente por crimes alheios ao mandato. Mas não impede a abertura de investigação. A doutora não abraçou essa tese agora. Ela já pensava assim em junho do ano passado, quando ainda era apenas uma candidata à poltrona de procuradora-geral.

A hipótese de abertura de investigação contra o presidente da República foi mencionada num debate entre candidatos à sucessão de Janot. Nele, Raquel Dodge se contrapôs à colega Sandra Cureau ao interpretar o parágrafo 4º do artigo 86 da Constituição, que anota o seguinte: "O presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções."

Para Sandra Cureau, o texto constitucional protege o presidente de investigações relativas a crimes praticados antes do início do mandato. Raquel Dodge sustentou na época que seria possível investigar o presidente, desde que a Procuradoria se abstivesse de formular uma denúncia antes do término do mandato.

Nesse debate de junho de 2017, Raquel Dodge trocou seu raciocínio em miúdos: "Me refiro à possibilidade [de investigação] com os argumentos de que ninguém está acima da lei e, também, para preservar os vestígios e as provas. Mas isso deve ser feito com cautela, para não manchar o mandato do presidente da República."

Na petição que acaba de enviar ao ministro Edson Fachin, Raquel Dodge repetiu os argumentos que utilizara em campanha. Sustentou que o presidente da República só "não poderá sofrer responsabilização em ação penal enquanto durar seu mandato", mas pode, sim, ser investigado.

A procuradora-geral anotou: "Considero necessário tratar da ampliação do rol de investigados neste inquérito para incluir o senhor presidente da República Michel Temer, por considerar que a apuração dos fatos em relação ao presidente da República não afronta" a Constituição.

A sucessora de Janot esgrimiu a tese segundo a qual a investigação não pode esperar, sob pena de esquecimento dos detalhes por parte de testemunhas ou do comprometimento de provas. "Os fatos narrados pelos colaboradores e os elementos de corroboração que trouxeram reclamam investigação imediata", afirmou.

O processo sobre o jantar do Jaburu já estava no Supremo quando Raquel Dodge tomou posse. Sem Temer, figuram no rol de investigados os ministros palacianos Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência). O que a procuradora-geral não explicou foi o seguinte: se avalia que os fatos reclamam "investigação imediata" por que demorou mais de cinco meses para agir?

Segunda mais votada na lista tríplice dos procuradores, Raquel Dodge foi indicada por Temer com o apoio da cúpula do PMDB. O presidente compareceu à sua posse. Naquela época, a Câmara já havia enfiado dentro do freezer a denúncia em que Temer foi acusado de corrupção passiva. Estava pendente de votação a segunda denúncia, na qual Janot atribui ao presidente os crimes de organização criminosa e obstrução da Justiça.

Foi contra esse pano de fundo que a nova procuradora-geral optou por adiar o pedido de investigação de Temer, só agora submetido à consideração do Supremo. Reveja abaixo o vídeo do depoimento em que Marcelo Odebrecht, hoje em prisão domiciliar, revelou detalhes sobre o jantar monetário que teve com Temer e seus ministros. Ele foi um dos seis delatores que forneceram dados utilizados no processo.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.