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Josias de Souza

Entrevista de Lula incomodou um pedaço do PT

Josias de Souza

01/03/2018 19h03

A entrevista de Lula à Folha não caiu bem no PT. Um pedaço do partido ficou aborrecido com o timbre egocêntrico do grande líder. O blog conversou com três membros do diretório nacional do partido. Dois deles enxergaram num trecho das declarações uma ponta de desprezo com o partido. Avaliam que, ao interditar o debate sobre alternativas à sua candidatura, Lula prioriza suas conveniências penais em detrimento dos interesses partidários.

No trecho da entrevista que provocou mais ruídos internos, Lula foi instado a responder se abriria "brecha" para a discussão de uma candidatura presidencial alternativa. Soou categórico: "Não abro, não abro. Se eu fizer isso, minha filha, eu tô dando o fato [da condenação que levou à inelegibilidade] como consumado. Eu vou brigar até ganhar. E só vou aventar a possibilidade de outra candidatura quando for confirmado definitivamente que não sou candidato."

Já estava entendido que o PT, com seu perfil político-religioso, conduziria a candidatura de Lula como uma procissão. Nela, o santo segue o seu trajeto até a impugnação da candidatura no Tribunal Superior Eleitoral, prevista para agosto. Aos devotos cabe carregar o andor e acompanhar Lula com suas preces. O problema é que a superexposição dos pés de barro da santidade reduz a taxa de devoção.

O terceiro petista ouvido pelo blog concordou apenas parcialmente com os outros dois. Disse não ter dúvidas quanto ao fato de que Lula prioriza seus interesses. Mas acha natural que o partido ampare seu principal dirigente no "pior momento" de sua vida política. Primeiro porque não há outra alternativa. Em segundo lugar, porque a tática será útil ao partido no final.

Nessa leitura menos pessimista da conjuntura, o PT não sairia mais danificado do que já está, pois Lula, se for realmente barrado no TSE, acionará o seu prestígio para empurrar um correligionário até o segundo turno da eleição presidencial. De resto, a atmosfera de "perseguição" que mantém a militância mobilizada em torno de Lula garantiria a eleição de uma boa bancada petista no Congresso.

Lula está longe de ser um líder minoritário no seu partido. O estilo coronelesco sufocou o surgimento de lideranças capazes de lhe fazer sombra. Mas o bloco dos insatisfeitos não para de crescer. Dissemina-se pela legenda o receio de que, ao privilegiar o próprio umbigo, o fundador do PT contribua para afundar um pouco mais o partido nas urnas de 2018.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.