Michel Temer exilou-se no mundo da hipocrisia
Michel Temer exilou-se no mundo da hipocrisia. Comporta-se como um presidente cenográfico. Encena a peça de um perseguido político (mais um!). Já nem se importa com os fatos que desmentem sua ficção. Nesta terça-feira, falava sobre reforma da Previdência para uma plateia de empresários quando, de repente, ergueu o timbre para enfatizar o seguinte:
"Vocês acompanharam a guerra que eu pessoalmente recebi em razão dos setores interessados nisso. Eu denuncio, eu acuso, eu aponto o dedo. Porque hoje tem que apontar o dedo. Se você não fizer isso, você não reinstitucionaliza o país. E o país perdeu inteiramente a ideia de liturgia, a ideia de autoridade, a ideia de uma certa hierarquia, responsabilidade".
Horas antes do desabafo teatral, uma novidade tóxica ganhara o noticiário. Ficou-se sabendo que a Polícia Federal fizera uma batida no terceiro andar do Palácio do Planalto na semana passada. Os agentes federais procuravam um computador que guardasse na memória os e-mails trocados por um ex-auxiliar de Temer: Rodrigo Rocha Loures, o homem filmado quando recebia a mala com propina de R$ 500 mil da JBS.
Descontado o cinismo, Temer só pode ser compreendido às avessas. A pose de Émile Zola não orna com sua realidade. Ele não denuncia, foi denunciado criminalmente duas vezes. Não acusa, é acusado de corrupção num par de inquéritos que estão em andamento. Não aponta o dedo, é dedurado por uma penca de corruptos confessos. A liturgia foi para o beleléu quando Temer converteu a sede do governo num bunker que oferece foro privilegiado a auxiliares denunciados.
"…Tentaram degradar-me moralmente", declarou Temer. "E eu tenho dito com muita frequência que não vou mais tolerar isso. Eu digo que agora vou combater isso, até porque meus detratores, hoje, ou estão na cadeia ou estão desmoralizados."
Para ser tolerado no Planalto, Temer comprou com cargos, verbas e privilégios a fidelidade dos deputados que congelaram na Câmara as denúncias da Procuradoria. São três os principais delatores que o presidente chama de "detratores": Marcelo Odebrecht e os irmãos Joesley e Wesley Batista. Já deixaram a cadeia. Usufruem do conforto da prisão domiciliar.
Quem continua atrás das grades é o pedaço da "Turma do Charuto" que perdeu a proteção do foro privilegiado. Gente como Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima, cujo encarceramento impede de comparecer aos jantares do Jaburu —seguidos de articulações urdidas na varanda da residência oficial de Temer, em meio à fumaça de bons cubanos.
Solto, Temer compõe o bloco dos "desmoralizados". No momento, é varejado por duas investigações. Numa, apura-se a propina de R$ 10 milhões da Odebrecht. Coisa negociada num jantar do Jaburu. Noutra, verifica-se a denúncia sobre a troca de propinas por um decreto da área de portos. Com o sigilo bancário quebrado, Temer prometeu entregar os extratos aos repórteres. Já desistiu da ousadia.
A grande pose de Temer não é para a mulher Marcela, o filho Michelzinho, os cúmplices palacianos, os aliados no Congresso ou os ministros do Supremo Luís Roberto Barosso e Edson Fachin. Nada disso. Temer simula as melhores virtudes para o seu próprio julgamento.
No mundo real, Temer é o primeiro presidente da história denunciado por corrupção no exercício do cargo. Ou, por outra, é um réu esperando na fila para acontecer depois que perder as prerrogativas do cargo. No universo da hipocrisia, Temer é um mandatário de mostruário. "Deixando a modéstia de lado, este será o melhor governo que o país já conheceu", declarou no discurso para empresários.
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