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Josias de Souza

Temer brigará no STF por indulto de corruptos

Josias de Souza

20/03/2018 07h35

Michel Temer irá às útimas consequências para tentar restabelecer no Supremo Tribunal Federal o texto original do decreto de indulto natalino que editou em dezembro de 2017. Em despacho divulgado na semana passada, um dos ministros da Corte, Luís Roberto Barroso, determinou que fossem excluídos do rol de beneficiários do perdão presidencial os condenados por crimes de colarinho branco. E ajustou o decreto de Temer para autorizar a libertação de presos que cometeram crimes sem violência, desde que sentenciados a até 8 anos de cadeia e que já tenham cumprido pelo menos um terço da pena.

O presidente encomendou à infantaria jurídica do governo um esforço para derrubar o despacho de Barroso no plenário do Supremo. Antes, o Planalto precisa convencer Cármen Lúcia, presidente da Suprema Corte, a marcar o julgamento. Algo que não deve ocorrer antes de maio, pois a pauta de abril já foi fechada. E não inclui o indulto. Esse embate será uma espécie de luta de boxe na qual a moralidade entrará com a cara. A encrenca começou a se formar no final do ano passado.

O indulto coletivo de Natal é uma tradição brasileira. Seguindo a praxe, Temer editou seu decreto no final de dezembro. A exemplo de antecessores, invocou a tese segundo a qual o indulto é um valioso mecanismo de política penitenciária, pois permite ao Estado atenuar o flagelo da superlotação das cadeias, libertando presos que não tenham cometido crimes violentos, mediante certas condições.

O que era habitual começou a se tornar um problema no instante em que Temer subverteu a praxe, ajustando o indulto às conveniências do seu governo e dos aliados encrencados com a lei. Normalmente, o presidente acolhe minuta de decreto sugerida pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, o CNPCP, vinculado ao Ministério da Justiça. O colegiado vetara a concessão de indulto para condenados por corrupção. Temer deu de ombros. E ainda perdoou as penas de multa.

Como se fosse pouco, em nova subversão à praxe, Temer adocicou o indulto ao reduzir o tempo mínimo de cuprimento da pena para apenas 20%. Repetindo: o decreto perdoava 80% das penas. Havia mais e pior: o presidente não fixara nenhum teto para a condenação dos candidatos ao indulto. Produziu-se uma atmosfera de vale-tudo.

Diante do descalabro, a procurador-geral da República Raquel Dodge ajuizou no Supremo uma ação direta de inconstitucionalidade. Pediu a suspensão dos trechos do decreto presidencial que desafiavam a separação de Poderes, aviltando a legislação, invadindo a competência do Judiciário e comprometendo a efetividade do sistema penal.

Era janeiro de 2018. Respondia pelo plantão no Supremo a presidente Cármen Lúcia. Ela deu razão a Raquel Dodge. E suspendeu os efeitos dos artigos tóxicos do decreto de Temer —desde a regra que previa o cumprimento de apenas 20% da pena até a concessão do benefício para os corruptos. Houve enorme chiadeira no Planalto. Temer cogitou editar nova versão do decreto. Mas preferiu aguardar pelo julgamento do mérito da ação, no plenáro do Supremo.

Por sorteio, Luís Barroso foi escolhido o relator da encrenca. De volta das férias, recebeu a decisão liminar (temporária) de Cármen Lúcia. Endossou-a num despacho datado de 1º de fevereiro. Pediu que o tema fosse incluído na pauta do plenário, para o julgamento do mérito. Sobrevieram fevereiro e março. Nada. A pauta de abril, já divulgada, tampouco incluiu o indulto.

Representantes das defensorias públicas começaram a bater à porta do relator para avisar que a suspensão ordenada por Cármen Lúcia, a pretexto de manter atrás das grades os corruptos, impedira a liberação de outros condenados não-violentos que não tinham nada a ver com os assaltos ao erário. Em petição alentada, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro traçou um quadro preocupante. Presos que tinham a expectativa de ganhar o meio-fio estavam inquietos.

Barroso concluiu que não poderia esperar pela pauta de Cármen Lúcia, sob pena de transformar as cadeias numa panela de pressão. Decidiu liberar a aplicação do decreto, excluindo dele os trechos impugnados. Proibiu a concessão de indulto aos sentenciados por crimes como peculato, concussão, corrupção passiva, corrupção ativa, tráfico de influência, fraudes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro. O ministro restabeleceu a obrigatoriedade do pagamento das penas de multa.

No mais, liberou a aplicação decreto. Antes, teve de solucionar um par de problemas. Era preciso fixar critérios para a concessão do indulto, substituindo duas regras que Cármen Lúcia suspendera: a que previa o cumprimento de apenas 20% da pena e a que se absteve de fixar um teto para a sentença dos candidatos ao indulto.

Em conversa com o blog, o ministro explicou que se socorreu "do Código Penal e da tradição histórica adotada nos decretos de indulto desde 1988." Para preencher a lacuna do prazo mínimo de cumprimento de pena, Barroso escorou-se no artigo 83 do Código Penal. Prevê que o condenado pode obter liberdade condicional depois de cumprir pelo menos um terço da pena. Ou seja: Temer atropelara a lei ao abrir a porta da cela para os presos que cumpriram apenas 20% da pena.

Para fixar o teto da condenação dos candidatos ao indulto, Barroso adotou novamente o Código Penal. Dessa vez, seguiu o que prevê o artigo 33, parágrafo 2º, alínea 'a'. Anota que as penas superiores a 8 anos de cadeia devem ser cumpridas em regime inicialmente fechado. "O legislador considera tratar-se de crime grave e condenado perigoso", explicou Barroso.

Ele acrescentou: "Ao longo dos anos, desde o início de vigência da Constituição de 1988, sempre houve um teto máximo da condenação para que o condenado pudesse desfrutar do indulto. Inicialmente eram 4 anos, passou para 6 anos e depois para 8 anos. Recentemente, passara para 12 anos. O fato é que 8 anos parece ser o limite máximo razoável tolerado pelo Código Penal, além de corresponder à média da série histórica de indultos a partir de 1988."

Com base no despacho de Barroso, as defensorias puderam providenciar o indulto para a clientela tradicional do benefício: presos pobres que abarrotam as penitenciárias. Mas as decisões do ministro, por provisórias, terão de ser submetidas ao plenário do Supremo. E Temer decidiu transformar num cavalo de batalha a restauração do texto original do seu decreto, com as regras adocicadas e a extensão do refresco para os corruptos.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.