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Josias de Souza

Dilma diz que Palocci mentiu em delação à PF

Josias de Souza

26/04/2018 19h14

Surpreendida pela notícia de que seu ex-ministro Antonio Palocci fechou acordo de delação premiada com a Polícia Federal, Dilma Rousseff apressou-se em divulgar uma nota. Nela, acusa o ex-companheiro de produzir "peças de ficção" para "agradar aos investigdores" e obter a liberdade.

Os depoimentos de Palocci ainda estão sob sigilo. Mas Dilma supõe que ele tenha repetido coisas que disse a Sergio Moro em setembro do ano passado. O novo delator contou ao juiz da Lava Jato que participou de reunião em 2010, no Palácio da Alvorada, para discutir o financiamento de campanha da então candidata Dilma.

Estavam presentes, segundo Palocci, a própria Dilma, o então presidente Lula e o petista Sergio Gabrielli, que comandava a Petrobras. A conversa girou ao redor da obtenção de propinas para abastecer as arcas da campanha. "Essa reunião nunca existiu", sustenta Dilma.

Além de atacar Palocci, Dilma esculhambou os investigadores. Acusou-os de usar métodos análogos aos adotados na época da ditadura. "A submissão da verdade ao capricho de investigadores obedece à mesma lógica dos inquisidores que cometiam abusos, sobretudo físicos, nos presos, em outros tristes tempos, para arrancar confissões", diz a nota.

A comparação é tosca. Palocci já foi condenado por corrupção na primeira instância. Está preso há um ano e meio. O plenário do Supremo avalizou a detenção na semana passada. O personagem tornou-se delator por vontade própria. Presta depoimentos na companhia dos seus advogados. Torturada na época da ditadura, Dilma conhece a diferença. Finge-se de boba por conveniência. Abusos ocorreram quando Palocci e seus companheiros delinquiram, não agora.

Quando ocupou a Presidência da República, Dilma teve uma rara oportunidade de distanciar-se do petrolão. Em 18 de março de 2014, quando a compra da refinaria texana de Pasadena esquentou o noticiário, madame divulgou uma nota. No texto, disse que, como presidente do Conselho de Administração da Petrobras, avalizara a compra da refinaria micada escorada em "informações incompletas" incluídas num parecer "técnica e juridicamente falho", de autoria do então diretor Internacional da estatal, Nestor Cerveró.

Dois dias depois, em 20 de março de 2014, a Polícia Federal prendeu o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, que viria a ser o primeiro delator da Lava Jato. Em vez de perseverar na linha esboçada na nota anti-Cerveró, Dilma deixou-se enquadrar pelo petismo. Apostou contra a investigação. Perdeu. Agora, dedica-se a divulgar notas atacando gente como Palocci, coordenador de sua campanha em 2010.

Não bastasse o espetáculo de autofagia, Dilma desqualificou também a imprensa. Atacou o jornal O Globo, que noticiou o fechamento do acordo de Palocci com a Polícia Federal. É algo tão sensato quanto culpar a radiografia pela doença. Vai abaixo a íntegra da nota de Dilma:

1) O senhor Antonio Palocci volta a mentir ao dizer que teria participado de uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o então presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli, ocorrida em "meados de 2010", no Palácio da Alvorada, para falar de financiamento de campanha. Essa reunião nunca existiu.

2) Como a própria Dilma Rousseff já havia apontado, em setembro passado, o senhor Antonio Palocci falta com a verdade. A tal reunião e outros encontros mencionados pelo jornal para tratar de acertos de propinas ou de "contratos do pré-sal" jamais existiram. São peças de ficção.

3) A delação implorada do senhor Antonio Palocci tem um problema central. Não está sustentada em provas. E ele não as tem porque tais fatos jamais ocorreram.

4) No esforço desesperado de obter a liberdade, o senhor Antonio Palocci cria um relato que busca agradar aos investigadores, na esperança de que possam deixá-lo sair da prisão.

5) A submissão da verdade ao capricho de investigadores obedece à mesma lógica dos inquisidores que cometiam abusos, sobretudo físicos, nos presos, em outros tristes tempos, para arrancar confissões.

6) Lamentável é que a "confissão" sem provas tenha se tornado o retrato desses nossos tempos, em que, a cada dia, o Estado de Exceção vai corroendo a frágil democracia e suas instituições. Nada estranho, agora, que até a presunção de inocência passe a ser negada ou esquecida, e sempre combatida.

7) O Globo, mais uma vez, deixa de lado os princípios jornalísticos. Não procura ouvir os "acusados", nem publica qualquer linha sobre o que pensam os advogados dos dois ex-presidentes. Não há sequer uma menção de que ambos teriam sido procurados, o que mostraria ao menos um aparente compromisso do jornal com a verdade, base da ética de uma imprensa livre de países democráticos.

8) Por fim, é preciso reiterar que o jornalismo de guerra praticado pelas Organizações Globo vem tentando eliminar Lula e Dilma da vida política nacional, adotando como regra o justiçamento midiático. Em vão. Não terão êxito.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.