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Josias de Souza

Fim da condução coercitiva elevará nº de prisões

Josias de Souza

14/06/2018 19h34

A pretexto de proteger os investigados, o Supremo Tribunal Federal proibiu por 6 votos a 5 a condução coercitiva. A decisão deve sair pela culatra, pois procuradores e juízes tendem a substituir o depoimento compulsório, sem intimação prévia, por uma ferramenta mais draconiana: a prisão temporária.

A condução coercitiva foi largamente utilizada nas investigações da Lava Jato. Em quatro anos, a força-tarefa de Curitiba e o juiz Sergio Moro lançaram mão da ferramenta 227 vezes. A rotina virou polêmica em 2016, quando a PF conduziu Lula para ser interrogado numa sala do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo.

Em ações protocoladas no Supremo, o PT e a OAB questionaram a constitucionalidade do procedimento. Numa decisão solitária e liminar (provisória), o ministro Gilmar Mendes, relator das ações, proibiu a condução coercitiva em dezembro de 2017. Desde então, proliferam os pedidos de prisão temporária.

A decisão de Gilmar alterou os rumos, por exemplo, de um processo que envolve seu amigo Michel Temer. No inquérito sobre corrupção no setor de portos, a Polícia Federal desejava conduzir coercitivamente 13 investigados. Entre eles empresários e amigos do presidente. Como Gilmar proibira o transporte de suspeitos na marra, a PF requisitou a intimação simultânea dos encrencados.

Ao analisar o pedido, a procuradora-geral da República Raquel Dodge preferiu requerer a prisão temporária dos 13 investigados. Simultaneamente, requisitou batidas policiais de busca e apreensão em escritórios e residências. Com isso, manteve o efeito surpresa, evitando a eventual combinação de depoimentos e a destruição de provas.

A opção de Raquel Dodge foi avalizada pelo ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo sobre portos na Suprema Corte. Pela lei, a prisão temporária vale por cinco dias, renováveis. Contudo, a procuradora-geral pediu a revogação das detenções depois de três dias. E foi atendida por Barroso.

Verificou-se que, concluídas as buscas e os interrogatórios, não havia a necessidade de esticar o encarceramento. Libertou-se inclusive um investigado que se recusou a prestar depoimento: o coronel aposentado da PM paulista João Baptista Lima, apontado como operador de propinas de Temer. Dodge e Barroso deixaram claro nos textos anexados ao inquérito que as detenções não teriam ocorrido se as conduções coercitivas não estivessem proibidas.

No plenário do Supremo, Barroso votou com a ala minoritária. A certa altura, o ministro declarou fez um histórico sobre a legislação que permitia as conduções coercitivas. Disse o seguinte:

"O artigo 260 do Código de Processo Penal constou da redação original, que está em vigor desde 3 de outubro de 1941. Portanto, está em vigor há quase 80 anos, trinta dos quais sob a vigência da Constituição de 1988. Concorre a uma passagem para Zurich, para as Ilhas Virgens ou para as Ilhas Cayman quem adivinhar o que aconteceu de novidade no Brasil para justificar a súbita indignação contra a condução coercitiva tantos anos após a sua vigência."

"Eu arrisco um palpite", prosseguiu Barroso. "É que o direito penal finalmente vai chegando, aos poucos, com atraso, mas não tarde demais, ao andar de cima, aos que sempre se imaginaram imunes e impunes. Gente que paga tudo com dinheiro vivo, desconhece o sistema bancário, gente que vive de dinheiro fácil, gente que vive com dinheiro dos outros, gente que vive com dinheiro desviado."

O ministro concluiu: "Agora que juízes corajosos rompem este pacto oligárquico de impunidade e de unidade, e começam a delinear um direito penal menos seletivo e a alcançar criminosos do colarinho branco, há um surto de garantismo. É o mal travestido de bem."

A tendência é que os "juízes corajosos" de que fala Barroso, impedidos de utilizar uma ferramenta que estava disponível há 77 anos, passem a impor as prisões temporárias. Quer dizer: a pretexto de socorrer investigados, o Supremo complicou-lhes a vida. De resto, ficou demonstrado uma vez mais que a Justiça é cega. Mas tem um olfato aguçadíssimo.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.