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Josias de Souza

Língua de Ciro Gomes foge do controle do dono

Josias de Souza

19/06/2018 19h13

Terceiro colocado nas pesquisas, atrás de Jair Bolsonaro e Marina Silva, Ciro Gomes realiza um esforço notável para manter sua língua na coleira. Mas ela começa a fugir do controle. Um dia depois de ter chamado o vereador negro Fernando Holiday (DEM-SP) de "capitãozinho do mato", o presidenciável do PDT abespinhou-se com o formato engessado de um congresso de prefeitos mineiros. Interrompido, ameaçou deixar o encontro. "Escuta, senão eu me retiro." Vaiado, ralhou com o público: "Eu não sou demagogo, eu quero governar o Brasil é para restaurar a autoridade dessa baderna que está acontecendo no país."

Dona de um estilo tonitruante, a língua de Ciro já demonstrou ao dono que, solta, não perde oportunidade de exercitar sua vocação para a autocombustão. O candidato detesta que se recorde, mas seu projeto presidencial desandou na sucessão de 2002 quando a língua declarou que o papel de Patrícia Pillar, a atriz com quem Ciro vivia, era o de dormir com o candidato. Ou quando ela chamou de burro o ouvinte de uma rádio que fez uma pergunta a Ciro.

A língua priva Ciro da razão mesmo nas ocasições em que ele parece estar certo. No encontro com os prefeitos mineiros, por exemplo, o candidato estava incomodado com a exiguidade de tempo para falar sobre temas complexos. Concederam-lhe cinco minutos de exposição e três minutos para as respostas. A certa altura, a língua chutou o balde: "Eu estava respondendo que a carga tributária subiu de 27,5% para 36% do PIB […] e fui interrompido na resposta para, em seguida, me perguntarem a mesma coisa. Vocês acham isso razoável?"

Esforçando-se para contemporizar, o moderador do encontro concedeu a Ciro mais três minutos. E a língua: "Eu abro mão". O candidato foi convidado, então, a fazer suas considerações finais. "Muito obrigado a todos", encerrou a língua, puxando Ciro para fora do palco.

No momento, as prioridades de Ciro são: fechar uma aliança partidária e alargar o seu cesto de votos. Entretanto, fiel ao velho estilo, o personagem começa a reencarnar a figura do candidato autoimune. É como se o fígado de Ciro produzisse uma toxina que ataca a língua e obstrui o processo sináptico, impedindo a comunicação entre neurônios vizinhos.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.