PF insinua que PGR escondeu Miller sob tapete
O relatório da Polícia Federal sobre a dupla militância do ex-procurador Marcelo Miller deixou mal a Procuradoria-Geral da República. O texto anota que pelo menos um membro do grupo que assessorava o ex-procurador-geral Rodrigo Janot na Lava Jato sabia desde o início que Miller mantinha um pé no Ministério Público Federal e outro no escritório de advocacia que defendia os interesses da JBS. A despeito disso, nenhuma investigação interna foi instaurada na gestão Janot para conhecer as causas e os efeitos do jogo duplo de Miller sobre a negociação do acordo de delação que rendeu imunidade penal aos donos e executivos da JBS.
Em depoimento à PF, Miller declarou que, em março de 2017, quando ainda pertencia aos quadros do MPF, acudiu um diretor da JBS. Na sua versão, o socorro limitou-se ao exame da redação de um dos anexos do acordo de colaboração que a empresa negociava com a Procuradoria. Ele alegou ter agido por "cortesia". Disse que não fez senão reparos "linquísticos e gramaticais." A investigação da PF concluiu que a gentileza e a habilidade no manuseio do idioma renderam a Miller R$ 1,8 milhão. O ex-procurador foi indiciado por corrupção passiva. Três de seus benfeitores, entre eles Joesley Batista, foram incriminados por corrupção ativa.
Chama-se Cleyber Malta Lopes o delegado que promoveu os indiciamentos. É o mesmo que investiga Michel Temer no caso dos portos. Seu relatório tem 342 páginas. No pedaço dedicado à PGR, ele anota que um diretor jurídico da JBS, Francisco de Assis e Silva, e um promotor lotado na Lava Jato, Sérgio Bruno Fernandes, contaram ter tomado conhecimento, no início de março de 2017, de que Marcelo Miller ingressara no escritório de advocacia Trech Rossi e Watanabe. Souberam também que ele "passaria a atuar nos interesses da JBS."
Promotor de Justiça no Ministério Público do Distrito Federal, Sérgio Bruno estava cedido à Procuradoria-Geral da República. Ele participara, em 2009, das investigações que resultaram na Operação Caixa de Pandora, com a prisão do então governador do DF, José Roberto Arruda. Na equipe de Janot, Sérgio Bruno participava da tomada de depoimentos dos principais delatores, entre eles Joesley Batista. Embora ele soubesse da movimentação de Miller, a coisa foi tratada com displicência na PGR até setembro de 2017, quando os delatores encaminharam provas que complementavam o acordo de colaboração.
Sem perceber, a turma da JBS incluiu no pacote entregue à PGR o áudio de uma conversa em que Joesley Batista reconheceu, entre outras coisas, que a assessoria de Marcelo Miller à JBS começou quando ele ainda pertencia aos quadros do MPF. Em reação, Rodrigo Janot pediu ao Supremo que anulasse o acordo de delação da JBS, sem prejuízo do aproveitamento das provas coletadas. Requereu a prisão dos irmãos Batista. A anulação do acordo está pendente de julgamento no Supremo. A prisão dos Batista já foi revogada.
A PF investigou o caso por ordem da presidente do Supremo, Cármen Lúcia. O relatório com os indiciamentos foi enviado à Suprema corte na noite desta segunda-feira. Sem poderes para esquadrinhar a atuação de procuradores, a PF remeteu cópia para Raquel Dodge. Não há, por ora, vestígio das conclusões da apuração interna instaurada pela sucessora de Janot na chefia da PGR.
O grande problema das encrencas empurradas para baixo do tapete é que a realidade continua a transitar em cima do tapete. E os acobertados nem sempre ficam quietos. A Procuradoria-Geral da República precisa esclarecer qual foi a extensão do estrago promovido pelo ex-procurador Marcelo Miller. A essa altura, a presunção de que a plateia é feita de bobos ofende a inteligência alheia.
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