Topo

Josias de Souza

Daciolo reza pela cartilha do vice de Bolsonaro

Josias de Souza

13/08/2018 02h44

Em matéria de princípios democráticos, Benevenuto Daciolo Fonseca dos Santos, o Cabo Daciolo, presidenciável do partido Patriota, é um fiel discípulo do general Hamilton Mourão, candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro. Em setembro do ano passado, Daciolo ecoou nas redes sociais e na tribuna da Câmara a pregação de Mourão em favor de uma "intervenção militar" caso o Judiciário brasileiro não resolva o problema da corrupção. (Confira no vídeo acima).

"Não estou falando de ditadura militar", declarou Daciolo. "A pior ditadura que nós podemos enfrentar é a que nós estamos enfrentando hoje, que é a da falsa democracia." No vídeo em que tornou pública sua conversão à doutrina de Mourão, Daciolo declarou: "Eu quero deixar aqui o meu apoio ao senhor, general. Conta conosco, nós estamos juntos, para  honra e glória do Senhor Jesus. Não estamos pedindo uma ditadura militar. Estamos falando de um governo provisório. Tira os corruptos, os bandidos, que estão colocando sobre o povo uma carga muito pesada."

Na sequência, o cabo do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro valeu-se de prerrogativa de deputado federal para pregar, do alto da tribuna da Câmara, o fechamento do Congresso. Evangélico, Daciolo discursou como se falasse desde um púlpito de igreja. Misturou a defesa de uma "intervenção das Forças Armadas" a uma pregação contra homossexuais, alcoólatras e adúlteros. Não vão para o céu, sentenciou. Também não entrarão no Reino do Senhor os ladrões e os corruptos, acrescentou.

Winston Churchill ensinou que a democracia é o pior regime possível com exceção de todos os outros. No Brasil, políticos como Daciolo sonham com as alternativas piores. Um deputado federal que discursa na Câmara a favor do fechamento do Legislativo é como um peixe que reza pelo envio de uma estiagem capaz de secar todos os rios.

Por ironia, uma lei aprovada pelo Legislativo que Daciolo gostaria de fechar assegurou-lhe a participação nos debates presidenciais de 2018. As emissoras de TV são obrigadas a incluir no rol de debatedores os candidatos cujos partidos tenham no mínimo cinco representantes na Câmara. É o caso do Patriota, partido de Daciolo.

O presidenciável João Amoêdo não teve a mesma sorte. Tomado por suas entrevistas, dispõem de ideias para expor ao eleitorado. Falta-lhe, porém, a bancada com cinco deputados. Estalando de novo, o seu "Partido Novo" é uma legenda virginal. Participa de sua primeira eleição. E Amoêdo, excluído dos debates, recebe um tratamento de sub-Daciolo.

"A democracia é uma delícia… Mas ela tem certos custos", disse Ciro Gomes, o candidato do PDT, ao ser submetido a uma pergunta sem pé nem cabeça que Daciolo lhe endereçou no debate da Bandeirantes, na noite da última quinta-feira. Por sorte, a via democrática é de mão dupla. Um candidato como o Cabo Daciolo tem todo o direito de ser ouvido. Mas isso não inclui o direito de ser levado a sério. O eleitor tem o poder de desligá-lo da tomada. Para honra e glória do Senhor Jesus.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.