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Josias de Souza

Transição de Lula para Haddad avacalha o TSE

Josias de Souza

04/09/2018 04h42

Lula transformou a transição de sua candidatura para a de Fernando Haddad num desafio à autoridade do Tribunal Superior Eleitoral. Na noite desta segunda-feira, 72 horas depois de o TSE ter barrado o candidato-presidiário, o PT continuava exibindo Lula como postulante ao Planalto em inserção comercial na TV. A mesma peça, disponível acima, foi veiculada nas redes sociais.

Num quadro de normalidade, um presidenciável ficha-suja é enquadrado na Lei da Ficha Limpa e, por ordem do TSE, deixa o horário eleitoral que avacalha. Quando isso não acontece, a exibição da candidatura fantasma na vitrine eletrônica avacalha a Justiça Eleitoral. No caso de Lula o processo de avacalhação é conduzido com método de dentro da cadeia.

Em decisões tomadas no domingo e nesta segunda, os ministros Luís Felipe Salomão e Carlos Horbach, do TSE, proibiram o PT de exibir novamente os comerciais de campanha veiculados no rádio e na TV no horário eleitoral de sábado —sob pena de pagar multa de R$ 500 mil a cada reprise.

Os ministros concluíram que o PT afrontou a decisão judicial e confundiu o eleitor ao vender a ideia de que Lula ainda é candidato. Em dois textos —a defesa apresentada ao TSE e uma nota pública—, a coligação presidencial encabeçada pelo PT simulou respeito e obediência. Jogo de cena. A reiteração da candidatura de Lula nas inserções noturnas desta segunda-feira não é coisa de quem deseja render homenagens à Justiça.

O site da coligação petista na internet escancara o teatro, deixando claro que a decisão de achincalhar a Justiça Eleitoral veio antes da sessão em que o registro da candidatura de Lula foi negado pelo placar de 6 votos a 1. "Assista aos programas de Lula que o TSE não quer deixar passar na TV", convida um título pendurado no site na última sexta-feira, antes que o veredicto do TSE fosse conhecido. (veja reprodução abaixo)

Sob a manchete, lê-se o seguinte: "Como todo mundo bem sabe, o TSE julga nesta sexta-feira (31) a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva. O TSE acelerou o processo de Lula para que você não pudesse ver o presidente que mais fez por esse país de novo em sua televisão, para que você não se lembrasse de todos os projetos implementados por nosso Luiz Inácio."

Na sequência, o site oferece aos visitantes o acesso a três vídeos com um par de programas e um comercial "que o TSE não quer que você veja". Depois que o veto a Lula foi consumado, a coligação petista não moveu um dedo para retirar os vídeos do ar.

Como que antevendo a trapaça, a procuradora-geral da República Raquel Dodge fizera uma sugestão ao ministro Luis Roberto Barroso, relator do caso. no TSE. Ela mencionara a necessidade de esclarecer que a proibição de propaganda sobre a candidatura de Lula valia também para a internet.

Barroso respondeu que, embora tivesse mencionado apenas o rádio e a TV em seu voto, estava entendido que o veto à participação de Lula em atos de campanha se estendia à internet. A cena foi testemunhada pelos advogados de Lula. Mas o petismo deu de ombros.

Quando a coligação encabeçada pelo PT diz estar cumprindo a decisão judicial, está, na verdade, propondo um troca-troca: Lula finge que respeita a Justiça e o TSE finge que acredita. Enquanto isso, o petismo fará barulho no Conselho de Direitos Humanos da ONU. E os advogados de Lula tentarão cavar no Supremo Tribunal Federal uma liminar suspendendo o veto à sua candidatura.

Se a sorte providenciar uma liminar da Suprema Corte, dá-se uma banana ao TSE. Se o Supremo não aderir à manobra, formaliza-se a substituição de Lula por Haddad em 11 de setembro (que data!), quando expira o prazo para a troca. É como se Lula e seus devotos desejassem vetar o veto do TSE, observando-o apenas em último caso. O fantasma sabe para quem aparece. Inicialmente, o voto de Luís Roberto Barroso tirava o PT do ar até a substituição do candidato. Mas os ministros decidiram, a portas fechadas, suavizar o veredicto, mantendo o PT no ar. Deu no que está dando.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.