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Josias de Souza

Haddad vira presidenciável graças a escândalos

Josias de Souza

09/09/2018 04h37

Em 2005, quando explodiu o mensalão, Lula deslocou Tarso Genro do comando do Ministério da Educação para a presidência do PT. Ao aceitar a missão, Tarso pediu que fosse acomodado no seu lugar Fernando Haddad, então secretário-executivo da pasta da Educação. Dona norma, mãe de Haddad, soube pelo noticiário da promoção do filho. Telefonou-lhe para perguntar por que aceitara ser ministro de um governo em má situação. E Haddad: "Mãe, se a situação fosse boa, nunca me ofereceriam o ministério." Lula encantou-se com sua gestão.

Decorridos 13 anos, Haddad está na bica de se tornar candidato ao Planalto graças a outro escândalo que marca a ruína petista: o petrolão. Nesta segunda-feira, o filho de dona Norma visitará Lula, em Curitiba. Se tudo correr como planejado, sairá da cela especial, finalmente, com o aval do preso mais ilustre da Lava Jato à sua conversão em cabeça da chapa presidencial do PT. A promoção precisa ocorrer no dia seguinte, 11 de setembro, quando vence o prazo fixado pela Justiça Eleitoral para a substituição de Lula.

Haddad terá, então, 28 dias para tocar uma campanha eleitoral sui generis, na qual o sucesso depende de sua capacidade de se autoanular. Terá de se apresentar como um candidato invisível —de modo que o eleitor consiga enxergar o Lula que há por trás dele. Em tais circunstâncias, o apelido de poste talvez seja inadequado. Haddad participa da eleição mais com um laranja de Lula. Para que a transfusão de votos ocorra na proporção desejada pelo petismo, o eleitorado precisaria acreditar que, votando no candidato em liberdade, estará elegendo o padrinho preso.

A escassez de tempo não é a única adversidade. Haddad herda uma equipe de campanha que não escolheu. Terá de tourear petistas que avaliam que ele não é o melhor Plano B —a começar pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que queria a vaga para ela. Precisará molhar a camisa para evitar que parte dos votos de Lula escorra para Ciro Gomes e Marina Silva. De resto, entrará no jogo depois da facada que praticamente colocou Jair Bolsonaro no segundo turno, obrigando os outros candidatos a se engalfinhar pela vaga restante.

Em visita a Caetés (PE), onde nasceu Lula, Haddad apresentou-se ainda como "vice"

Na noite desta segunda, Haddad terá uma ideia do tamaho do seu desafio. O Datafolha divulgará uma pesquisa presidencial que captará os efeitos da primeira semana do horário eleitoral, dos primeiros debates, das sabatinas, do veto à candidatura de Lula e do atentado cometido contra Bolsonaro. Pesquisa do Ibope, divulgada na semana passada, colocou Haddad (6%) na quinta colocação, atrás de Bolsonaro (22%), Ciro Gomes (12%), Marina Silva (12%) e Geraldo Alckmin (9%). Nessa pesquisa, o laranja de Lula estava tecnicamente empatado com o candidato tucano.

De acordo com o lema da campanha petista, só a vitória do laranja de Lula será capaz de fazer "o Brasil feliz de novo". Aposta-se que o apagão do governo de Michel Temer acenderá na cabeça do eleitor a memória dos melhores tempos da gestão de Lula, quando havia empregos, renda, crédito e consumo. Os adversários de Haddad se equipam para levar à vitrine outra realidade. Que a gestão Temer foi ruinosa, ninguém tem duvida. Mas planeja-se levar à vitrine também a ruína de Dilma Rousseff, que produziu desequilíbrio fiscal, recessão e desemprego.

Entre 2013 e 2016, a economia brasileira encolheu 6,8%.Na gestão empregocida de Dilma, o desemprego saltou de 6,4% para 11,2%. Foram ao olho da rua cerca de 12 milhões de trabalhadores. Deflagrada em 2014, a Lava Jato demonstrou que o único empreendimento que prosperava no Brasil era a corrupção. Agora, o PT tenta empurrar o espólio de Dilma para o gavetão do esquecimento. Os adversários cuidarão de instilar no eleitorado o receio de que Haddad, a nova criatura de Lula, vire uma nova Dilma.

Não será a primeira vez que Dilma assombra projetos políticos de Haddad. A gestão impopular da ex-gerentona de Lula conspirou contra a recondução de Haddad à prefeitura de São Paulo, em 2016. Em fevereiro daquele ano, quando se equipava para reivindicar a reeleição, Haddad distanciou-se de Dilma numa entrevista ao blog. Entre outras críticas, apontou "problemas de condução" da política econômica. Reveja um trecho abaixo. A íntegra está disponível aqui. Haddad não foi reeleito. O rival tucano João Doria prevaleceu no primeiro turno. Os rivais do PT talvez forcem Haddad a renovar em 2018 as ressalvas que fazia a Dilma há dois anos.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.