Sucessão tem duas contramãos, sem terceira via
A julgar pelo andar das carruagens de Bolsonaro e Haddad, a sucessão de 2018 tornou-se uma avenida com duas contramãos. Numa contramão trafega o passado pré-1964, comandado por uma gente que fica com raiva quando é contrariada. Noutra contramão desliza o presente pós-2003, dirigido por pessoas que não ficam com raiva, ficam com tudo —da prataria do palácio aos contratos da Petrobras. Tomando-se como verdadeiros os números da nova pesquisa do Ibope, dinamitaram-se os caminhos que poderiam levar a uma terceira via. Ciro, Alckmin e Marina foram, por assim dizer, atropelados pelas circunstâncias.
Deve-se ao sociólogo inglês Anthony Giddens a popularização da expressão terceira via. Nas palavras dele, seria "o esforço de modernização da social-democracia perante a nova influência dominante em nossas vidas: a globalização e a revolução da informação". Na prática, foi uma tentativa do governo do ex-primeiro-ministro Tony Blair, de quem Giddens era conselheiro, de construir uma opção política situada entre a obediência cega aos caprichos do mercado e o alinhamento caolho ao estado do bem-estar social. Blair renunciou em 2007, depois de enfiar a Grã-Bretanha no beco sem saída da guerra no Iraque.
Em tempos remotos, a coisa era mais simples. O que caracterizava a terceira via era o esforço para encontrar um meio-termo entre o capitalismo e o comunismo. Com o apodrecimento do comunismo, prevaleceu o mundo de mão única do capital. Pois o Brasil resolveu se redescobrir, agora como um país pós-idelógico, cujo futuro é desenhado numa enfermaria e numa prisão. No momento, há uma montanha dividindo o país. Os eleitores de Bolsonaro cavam de um lado da montanha. Os partidários de Haddad cavam do outro lado. Se os dois grupos se encontrarem no meio do caminho, fazem um túnel. E batem de frente, matando-se uns aos outros. Se não se encontrarem, fazem dois túneis. E o país continua trafegando em duas vias. Uma na contramão da outra.
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