Topo

Josias de Souza

Alckmin classifica Doria de ‘temerista’ e ‘traidor’

Josias de Souza

09/10/2018 19h54

Uma intervenção de João Doria durante reunião da Executiva Nacional do PSDB acendeu o pavio de Geraldo Alckmin. Fora de si, Alckmin mostrou a mágoa que tem por dentro. Chamou de "temerista" o seu afilhado político. "Fique calmo", reagiu Doria, pedindo "discernimento" e "equilíbrio" ao padrinho. Numa explosão que lhe deu a aparência de um ex-Alckmin, o presidente nacional do PSDB insinuou que Doria é um "traidor".

O tempo fechou no encontro do PSDB num instante em que Doria, candidato tucano ao governo de São Paulo, defendia a necessidade de o partido avaliar os erros cometidos durante a campanha de 2018. "Terminada a eleição no segundao turno, aí sim, podemos fazer uma avaliação completa", disse ele a certa altura. "O PSDB não cumpriu o seu papal, quando poderia ter cumprido melhor."

Alckmin enxergou nas observações do afilhado um questionamento à condução da sua campanha presidencial. Mais: interpretou as palavas de Doria como uma preparação para questionar a sua presença no comando do partido. "O temerista não era eu, não. Era você", reagiu Alckmin. Doria tentou contemporizar. Mas Alckmin não se deu por achado. "Você, você, você", disse, elevando o timbre de voz a cada repetição do vocábulo.

Olhando ao redor, Doria argumentou que o apoio à gestão de Michel Temer foi uma decisão partidária, não individual. "Geraldo, você está aqui diante de dois ex-ministros do governo Temer", declarou. "Acredito que você não queira desrespeitar nem o José Serra (ex-Itamaraty) nem o Bruno Araújo (ex-Cidades). Fizeram parte desse governo.  Foram bons ministros. (…) Outros participaram. Vamos ter discernimento em relação a isso."

Doria insistiu: "Fique calmo. Discernimento e equilíbrio, aliás, sempre foram características que você teve. Não [reaja] de forma passional." Alckmin não se conteve. Língua em riste, sapecou: "Traidor eu não sou". E Doria, insistindo em manusear panos quentes: "Vamos ter uma conduta com calma e equilíbrio".

A explosão de Alckmin chegou com enorme atraso. Veio depois de uma derrota desconcertante. Dono de 43% do horário eleitoral, Alckmin terminou o primeiro turno da corrida presidencial em quarto lugar, com humilhantes 4,76% dos votos. Ficou na mesma região do mapa eleitoral em que estavam João Amoedo (2,5%), Cabo Daciolo (1,26%) e uma desidratada Marina Silva (1%).

Foi a primeira vez desde 1994 que o eleitor excluiu o PSDB do rol de protagonistas de uma disputa pelo Planalto. Nas últimas seis sucessões, o partido vencera duas no primeiro turno, com Fernando Henrique Cardoso, e perdera quatro no segundo turno —duas para Lula e duas para Dilma.

Patrono da eleição de Doria à prefeitura de São Paulo, em 2016, Alckmin vinha se queixando do comportamento do afilhado desde o ano passado. Em privado, acusara Doria de invadir sua trincheira, ao se insinuar como uma opção de candidato à Presidência. Depois, queixara-se da decisão do pupilo de abandonar o mandato de prefeito para disputar o governo paulista.

Inicialmente, o palanque de Alckmin em São Paulo seria o do governador Marcio França (PSB). Com a entrada de Doria no jogo, vendeu-se a ideia de que Alckmin passaria a dispor de dois palanques. Na prática, tornou-se um sem-palanque. Hoje, Doria e França medem forças no segundo turno. E Alckmin vive o inferno dos derrotados.

Na véspera do encontro da Executiva, Doria dissera, em entrevista ao UOL, que defenderia o apoio do PSDB à candidatura presidencial de Jair Bolsonaro. O mesmo Bolsonaro que aplicou uma surra eleitoral em Alckmin, roubando-lhe os eleitores e o papel de anti-PT que o tucanato desempenhou nas últimas duas décadas.

Ao final da renião, Alckmin anunciou que o PSDB permanecerá no segundo turno em seu habitat natural: o muro. O partido "decidiu liberar os seus militantes e os seus líderes", informou Alckmin. "Nós não apoiaremos nem o PT nem o candidato Bolsonaro. O partido não apoiará nem um nem outro e libera seus filiados e líderes para que decidam de acordo com sua consciência, com sua convicção e com a realidade de seus Estados".

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.