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Josias de Souza

Bolsonaro desancou STF 11 dias antes do filho

Josias de Souza

22/10/2018 17h47

Em entrevista concedida no dia 28 de junho, em Fortaleza, Jair Bolsonaro referiu-se ao Supremo Tribunal Federal de forma depreciativa. Onze dias antes de seu filho Eduardo afirmar que "pra fechar o STF basta um cabo e um soldado", o presidenciável dissera que "governar com um Supremo desse que tá aí fica complicado." Defendera a ampliação da composição da Corte de 11 para 21 magistrados, "para termos a maioria lá dentro."

"Está na mesa de negociação do nosso pessoal passar para 21", afirmara Bolsonaro quando lhe perguntaram se proporia a mudança caso fosse eleito. O candidato acrescentara que sua intenção seria a de indicar para as dez novas hipotéticas vagas na Suprema Corte "gente do nível do Sergio Moro, para realmente ter um Supremo que não envergonhe a população brasileira." Dias antes, a Segunda Turma do STF libertara da cadeia o petista José Dirceu. Para Bolsonaro, "um vexame."

No último final de semana, viralizou nas redes sociais o vídeo com as declarações tóxicas do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sobre o Supremo. Foi gravado em 9 de julho, num cursinho de Cascavel (PR). Nele, o filho do capitão responde a uma pergunta sobre a hipótese de o STF impugnar a candidatura presidencial do pai. Declara que o tribunal "terá que pagar pra ver o que acontece."

"Eu não acho isso improvável, não", disse Eduardo a certa altura, sem se dar conta de que impugnações de candidaturas são julgadas no Tribunal Superior Eleitoral, não no Supremo. Emendou: "…Cara, se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo, não. O que é o STF? Tira o poder da caneta de um ministro do STF. Se prender um ministro do STF, você acha que vai ter uma manifestação popular a favor do ministro do STF, milhões na rua?"

No domingo, Bolsonaro dissera que, se alguém falou em fechar o Supremo, precisa de um "psiquiatra". Ao saber que o orador era seu filho, duvidou da manifestação, apostando que as frases haviam sido descontextualizadas. Nesta segunda-feira, nas pegadas da péssima repercussão dos comentários, Bolsonaro tentou tomar distância do filho.

"Eu já adverti o garoto", disse o candidato, em entrevista ao SBT. "É meu filho. A responsabilidade é dele. Ele já se desculpou. Isso [o vídeo] aconteceu há quatro meses. Ele aceitou responder a uma pergunta que não tinha nem pé, nem cabeça, e resolveu levar para o lado desse absurdo aí."

O "garoto" tem 34 anos e acaba de ser reeleito para a Câmara com a maior votação da história. De fato, defender o fechamento do Supremo é algo "absurdo". Mas pregar o aumento da composição da Corte de 11 para 21 ministros também não soa sensato. Fazer isso admitindo que a mudança tem o deliberado propósito de garantir ao chefe do Executivo o controle da "maioria" do Supremo não parece menos absurdo.

Como já foi comentado aqui, falta aos Bolsonaro uma noção qualquer de institucionalidade. Nessa matéria, como em tantas outras, quem sai aos seus não endireita.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.