Campos Neto assume BC que avô ajudou a criar
Uma pessoa realizadora não prediz o futuro, ajuda a criá-lo. Mas o economista Roberto Campos (1917-2001) daria pulos de satisfação sob a lápide se pudesse ver o que foi feito do neto homônimo. Roberto Campos Neto, 49, presidirá o Banco Central, instituição que o avô ajudou a criar em 1964, quando era ministro do Planejamento do governo do marechal Castelo Branco.
Ex-embaixador, ex-ministro, ex-senador, ex-deputado e, sobretudo, patrono do pensamento econômico liberal, Roberto Campos não poderia supor que um neto que o rodeava de calças curtas presidiria sua criação meio século mais tarde. Tampouco lhe foi dado supor que a coincidência se materializaria num governo presidido por Jair Bolsonaro, um deputado obscuro com quem esbarrou no Congresso sem cogitar um estreitamento de relações.
Eleito em 1982 pelo Mato Grosso, seu Estado, Roberto Campos frequentou o Senado por oito anos. Em 1990, candidatou-se a deputado federal pelo Rio de Janeiro. Elegeu-se no mesmo pleito em que o eleitorado fluminense concedeu ao paulista Bolsonaro seu primeiro mandato federal. Ironia suprema: Campos, o avô, estreou na Câmara junto com Bolsonaro, o insuspeitado futuro presidente da República que conduziria seu neto à chefia do Banco Central.
Intelectual refinado, Campos talvez mantivesse as restrições ao estilo rude do capitão. Ainda assim, aplaudiria a opção de Campos Neto. Menos por Bolsonaro do que por Paulo Guedes. Como ministro do Planejamento de Castelo Branco, ao lado do amigo Octávio Gouvêa de Bulhões, que comandava o Ministério da Fazenda, Campos colocou em pé uma agenda que orna com a filosofia do "Posto Ipiranga" de Bolsonaro.
Num país submetido a uma barafunda financeira, no alvorecer da ditadura militar, a dupla Campos-Bulhões priorizou a arrumação da casa. Junto com a implementação de uma reforma tributária e um controle draconiano das contas públicas, editou-se a lei 4.595, de dezembro de 1964, para estruturar o sistema financeiro nacional. Foi essa lei, subscrita por Campos, que deu à luz o Banco Central que Campos Neto comandará a partir de janeiro.
Sob Campos e Bulhões, a inflação despencou de 81% em 1963 e 91% em 1964 para 34% em 1965. Embora não comandasse a área econômica sozinho, Campos dispunha de superpoderes análogos aos que Bolsonaro ofereceu a Paulo Guedes. A despeito disso, não obteve tudo o que desejou. Não conseguiu fazer, por exemplo, o Banco Cental Independente.
Campos idealizara um mandato de sete anos, fixado em lei, para o presidente do BC. Quando o mandato de Castello Branco se aproximava do final, a ditadura selecionou como sucessor Costa e Silva, sob cuja presidência o economista Delfim Netto passaria a dar as cartas.
Nessa época, sopraram-se nos ouvidos de Campos rumores segundo os quais Delfim discordava da ideia de um BC independente, que o impediria de acomodar um subordinado de sua confiança no comando da instituição. Campos contou em suas memórias o seguinte: sob orientação de Castelo Branco, foi à presença de Costa e Silva para vender o seu peixe.
"O Banco Central é o guardião da moeda", disse Roberto Campos. E Costa e Silva: "O gardião da moeda sou eu." Sob Bolsonaro, Paulo Guedes tem a pretensão de ressuscitar a tese do BC independente. A incerteza quanto à capacidade do governo de colocar a ideia em pé contribuiu para que Ilan Goldfajn recusasse o convite para permanecer no comando do BC.
Quer dizer: por um sortilégio do acaso, até o insucesso Bob Fields, como o avô foi apelidado, conspirou para que o neto fosse guindado ao comando da instituição que seu antepassado ajudou a criar. O barulhinho que se ouve ao fundo é o eco da euforia de Roberto Campos dentro do túmulo.
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