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Josias de Souza

Bolsonaro troca o português pelo ‘embromatês’

Josias de Souza

13/12/2018 06h04

Jair Bolsonaro levou ao ar na noite desta quarta-feira a penúltima tentativa de explicação para a encrenca do Coaf. Impossível compreender o presidente sem uma tradução do embromatês para o português.

"Temos um problema pela frente no caso do ex-assessor nosso que está com movimentação atípica. Deixo bem claro aqui: eu não sou investigado, meu filho Flávio Bolsonaro não é investigado. E, pelo que me consta, o senhor…, esse ex-assessor nosso será ouvido pela Justiça na semana que vem. A gente espera que ele dê os devidos esclarecimentos para o que vem acontecendo."

(O que o capitão quis dizer com esse trecho de sua manifestação é que, a exemplo do Coaf, ele também acha que não cheira bem a conta bancária na qual o "nosso assessor" Fabrício Queiroz movimentou R$ 1,2 milhão em apenas um ano. Mas espera que ninguém tenha a má ideia de incluir um presidente estalando de novo e seu primogênito numa investigação tão reles).

"Agora, se algo estiver errado —seja comigo, com meu filho ou com o Queiroz— que paguemos a conta deste erro. Não podemos comungar com erro de ninguém."

(Bolsonaro quis dizer que sua autoimagem messiânica precisa coincidir com a fantasia que 57 milhões de brasileiros compraram na eleição, do capitão impetuoso que vai higienizar o país. E para que essa salada de ilusões sobreviva, é preciso revender a ideia de que o herói da resistência não transige nem com os próprios erros).

"O que a gente mais quer é que seja esclarecido o mais rápido possível, que sejam apuradas as responsabilidades —se é minha, se é do meu filho, se é do Queiroz. Ou de ninguém. Afinal de contas, o Queiroz também não estava sendo investigado."

(Bolsonaro quis dizer que um político precavido é obrigado a raciocinar com um leque amplo de hipóteses. Na pior das hipóteses, descobre-se que a conta bancária malcheirosa esconde uma caixa clandestina do clã presidencial, abastecida por um esquema de apropriação ilegal de nacos dos salários de assessores de Flávio Bolsonaro. Na melhor das hipóteses, o "nosso assessor" fabrica uma explicação mágica. Na pior das hipóteses, Fabrício abre o bico. Na melhor das hipóteses, ele se dá conta de que mais vale um presidente-amigo na mão do que uma família de inimigos voando).

"Dói no coração da gente, porque o que nós temos de mais firme é o combate à corrupção. Aconteça o que acontecer, enquanto eu for presidente, nós vamos combater a corrupção com todas as armas do governo —inclusive o próprio Coaf, que está indo (…) para o Ministério da Justiça."

(Bolsonaro quis dizer que, ainda que o repasse de R$ 24 mil da conta do "nosso assessor" para sua mulher Michelle não combine com a imagem de um presidente limpinho, não há nada que um bom lote de aparições ao vivo nas redes sociais não resolva. Impossível garantir que não haverá fogo dentro do teatro. Mas os símbolos da pátria bem manipulados e o Coaf com o Sergio Moro talvez garantam a continuidade do teatro dentro do incêndio).

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.