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Josias de Souza

Flávio Bolsonaro ensaia bordão preferido de Lula

Josias de Souza

14/12/2018 05h35

Flávio Bolsonaro está "angustiado" com o noticiário que encostou sua biografia na movimentação bancária "atípica" do seu ex-motorista Fabrício Queiroz. "Não fiz nada de errado", escreveu o primogênito de Jair Bolsonaro na penúltima nota oficial que emitiu sobre o caso. "Sou o maior interessado em que tudo se esclareça pra ontem, mas não posso me pronunciar sobre algo que não sei o que é, envolvendo meu ex-assessor."

"Não sei o que é", eis o miolo da argumentação. Logo que Fabrício Queiroz reaparecer para dar a sua versão sobre a encrenca, Flávio Bolsonaro talvez possa parar de correr para, finalmente, ocorrer. Nessa hora, considerando-se o ensaio, o filho mais velho do capitão erguerá a fronte, atualizará o tempo do verbo e afirmará: "Eu não sabia!"

Ironicamente, Flávio Bolsonaro decidiu ladrilhar o caminho que leva ao bordão preferido de Lula uma semana depois de ter relatado aos jornalistas uma conversa tranquilizadora que tivera com seu ex-motorista. Vale a pena reproduzir a declaração feita por ele na sexta-feira da semana passada:

"Hoje, o Fabrício Queiroz conversou comigo, fui cobrar esclarecimentos dele sobre o que estava acontecendo. A gente não tem nada a esconder de ninguém. Ele me relatou uma história bastante plausível, me garantiu que não haveria nenhuma ilegalidade nas suas movimentações."

Desde então, o personagem que não tinha "nada a esconder" brinca de esconde-esconde, sonegando esclarecimentos a uma plateia cada vez mais atônita. De acordo com relatório do Coaf, pelo menos nove assessores do gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio realizavam depósitos na conta de Fabrício. E ele acha que é uma boa ideia migrar da "história bastante plausível" para um reles "não sei o que é."

O sucesso da estratégia de Flávio Bolsonaro depende do seu talento para a auto-desmoralização. Na bica de assumir o posto de senador da República, o filho do futuro inquilino do Planalto terá de convencer o país de que não é o jovem inteligente e astuto que todos supunham. Não, não. Absolutamente. Trata-se de um sujeito que trata a si mesmo como um cego meio atoleimado.

Incapaz de perceber a encrenca que se formava sob o seu nariz, o primeiro-filho recorre agora à velha tática de culpar a radiografia em vez de tratar da doença: "A mídia está fazendo uma força descomunal para desconstruir minha reputação e tentar atingir Jair Bolsonaro", declarou. Nesse ritmo, Flávio Bolsonaro pode até se dissociar de eventuais trampolinagens do ex-motorista. Mas arrisca-se a ser processado pelo PT por plágio.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.