Queiroz pode se imolar ou tocar fogo no circo
O Ministério Público espera ouvir nesta quarta-feira (19) o depoimento de Fabrício Queiroz. Ele sobe ao palco duas semanas depois de ter entrado em cartaz. Antes de virar um correntista "atípico", Queiroz era só um figurante. Desses que aparecem no final da lista dos papeis numa peça teatral: "mendigo, prostituta, motorista, segurança etc…" Fabrício era o "etc." da história. Graças à família Bolsonaro, virou protagonista. Dispõe de dois roteiros. Num, toca fogo nas próprias vestes. Noutro, incendeia o circo. O país logo saberá que papel Queiroz escolheu encenar.
Até aqui, Queiroz limitava-se a compor o fundo contra o qual se cumpria o destino glorioso de uma dinastia promissora. De repente, viu-se no epicentro de um drama em três atos. No primeiro ato, o Coaf enganchou na sua figura sombria a movimentação atípica de uma cifra reluzente: R$ 1,2 milhão. No segundo ato, Jair Bolsonaro e o primogênito Flávio Bolsonaro terceirizaram as justificativas ao ex-figurante. O Queiroz tem que explicar isso daí, deu de ombros o pai. Quem tem que dar explicação é o ex-assessor, ecoou o primeiro-filho.
Pois bem. Vem aí o terceiro ato. A menos que Fabrício Queiroz se apresente como beneficiário de uma herança insuspeitada, o risco de a peça acabar bem é pequeno, muito pequeno, diminuto. Tocando fogo no circo, Queiroz fará dos Bolsonaro políticos capazes de tudo. Imolando-se Queiroz os transformará em seres incapazes de todo —só cegos atoleimados não perceberiam tanta atipicidade ao redor. Em nenhuma das duas hipóteses o pai-presidente e o filho-senador serão os representantes que seus eleitores idealizaram.
No livro em que revelou detalhes de suas conversas com o Billy Wilder, Cameron Crowe listou os dez mandamentos de Wilder para os roteiristas de cinema. A chave do fracasso consta do sexto mandamento: 'If you have a problem with the third act, the real problem is in the first act'. Em português: "Se você está tendo problemas com o terceiro ato, o verdadeiro problema está no primeiro ato." Bingo!
No tempo em que ainda era apenas o "etc." da história, Queiroz teve sua conta atípica abastecida pelos depósitos de oito assessores do gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio. O dinheiro entrava nas pegadas da liberação dos contracheques. E saía nos dias subsequentes, em saques feitos na boca do caixa. Sacaram-se em dinheiro vivo pelo menos R$ 324 mil. Numa exceção que vale como uma espécie de marca do Zorro, Queiroz brindou a futura primeira-dama Michelle Bolsonaro com um cheque de R$ 24 mil. Coisa já rastreada.
Ou seja: a apenas 12 dias da posse do capitão na Presidência da República, a dinastia Bolsonaro vê sua reputação enroscada num roteiro que começou a desandar no instante em que o Coaf percorreu o rastro pegajoso que agora conduz os investigadores do Ministério Público para o primeiro ato. O grande problema desse tipo de espetáculo é que os roteiristas nunca se lembram de ensaiar a plateia para o papel de palhaço.
– Atualização feita às 16h01 desta quarta-feira (19): Fabrício Queiroz, o ex-assessor "atípico" de Flávio Bolsonaro, não deu as caras no depoimento marcado para as 14h. Seus advogados alegaram que o cliente teve uma "crise inesperada de saúde."
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