Topo

Josias de Souza

Jair Bolsonaro sumiu junto com Fabrício Queiroz

Josias de Souza

20/12/2018 04h32

Foto de família: Fabrício 'Atípico' Queiroz faz companhia ao 'amigo' Jair Bolsonaro numa pescaria

A era Bolsonaro ainda nem começou e já tem os seus primeiros desaparecidos políticos: o policial militar Fabrício Queiroz e o próprio capitão Jair Bolsonaro. Sumido há duas semanas, Queiroz tinha depoimento marcado para as 14h desta quarta-feira, no Ministério Público Rio de Janeiro. Seria ouvido sobre sua movimentação bancária "atípica" de R$ 1,2 milhão. Contudo, não deu as caras.

Tão misterioso quanto o sumiço de Queiroz foi o silêncio de Jair Bolsonaro. Alguém se fazendo passar por ele compareceu às redes sociais na noite passada. Deu "parabéns" ao presidente do Supremo, Dias Toffoli, por ter revogado a liminar do colega Marco Aurélio Mello —aquela que abria as celas de todos os condenados em segunda instância. Mas não fez um mísero comentário sobre o Caso Coaf. Tratava-se, obviamente, de um impostor, não do Bolsonaro legítimo.

A defesa de Queiroz alegou que ele faltou ao depoimento porque teve uma "inesperada crise de saúde". Se não estivesse desaparecido, aquele Jair Bolsonaro que se elegeu enrolado na bandeira da ética teria exigido a imediata apresentação de um atestado médico. Às vésperas de vestir a faixa de presidente da República, aquele político implacável com os malfeitos manteria no topo da sua agenda de prioridades o rápido esclarecimento do caso que envolve depósitos esquisitos de oito assessores do primogênito Flávio Bolsonaro na conta tóxica de Queiroz, um velho amigo da família.

O Ministério Público resumiu em nota oficial as alegações da defesa de Queiroz, Além da súbita crise de saúde, os doutores argumentaram "que não tiveram tempo hábil para analisar os autos da investigação". E solicitaram formalmente a postergação do depoimento. A coisa foi reagendada para esta sexta-feira pré-natalina. Uma das coisas que se poderiam esperar de Bolsonaro se ele estivesse entre nós seria a desqualificação da cena.

O capitão diria: "Ora, as informações estão no noticiário há duas semanas. Como alguém pode alegar desconhecimento dos fatos? É enrolação isso aí." Ele se revoltaria com o adiamento da inquirição por 48 horas. "Por que não intimaram para esta quinta-feira? Tem que apressar esse negócio, tá ok?" O Bolsonaro autêntico não admitiria chegar ao dia da posse sem acomodar em pratos limpos o repasse de R$ 24 mil da conta suspeita de Queiroz para a futura primeira-dama Michelle Bolsonaro.

O silêncio em relação a Queiroz não foi o único sinal do desaparecimento de Bolsonaro. Indicado para ocupar a poltrona de ministro do Meio Ambiente do governo a ser instalado em 1º de janeiro, o advogado Ricardo Salles foi condenado nesta quarta-feira por improbidade administrativa. Se o "mito" estivesse no controle das redes sociais, o sentenciado já seria a essa altura um ex-quase-futuro-ministro. Mas o fake-Bolsonaro não disse uma mísera palavra no Twitter ou Facebook.

Com tantos indícios, os militares que compõem o alto comando da futura administração deveriam providenciar o aparecimento de Queiroz. De resto, precisam solicitar, urgentemente, um teste de DNA do sujeito que se faz passar pelo capitão. Está na cara que este personagem não é o Bolsonaro que 57 milhões de brasileiros escolheram para limpar o Brasil.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.