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Josias de Souza

Após ser carbonizado, Bebianno frita Bolsonaro

Josias de Souza

15/02/2019 16h57

Presidente fritando ministros é coisa que os brasileiros estão cansados de ver. Mas Gustavo Bebianno, mantido no governo, transformou-se numa estonteante novidade. Carbonizado, ficou pendurado nas manchetes por 48 horas como um cadáver à espera da última pá de cal. Insepulto, articulou-se com parlamentares e com a banda militar do governo. Virou o jogo, convertendo-se num caso raro de ministro que frita presidente.

Estabeleceu-se no epicentro do poder uma atmosfera de anarquia. Jair Bolsonaro e seu "pitbull"  Carlos Bolsonaro informaram ao país que Bebianno é um mentiroso. Numa entrevista à Record, sua emissora de estimação, o presidente disse ter acionado a Polícia Federal para investigar a suspeita de que seu ministro liberou verbas públicas do fundo eleitoral para candidaturas laranjas do PSL. Dependendo dos achados da polícia, disse Bolsonaro, Bebianno talvez teria de "voltar às suas origens", fora do governo.

Quando se imaginava que Gustavo Bebianno chamaria o caminhão de mudança, o quase-ex-ministro pôs-se a fornecer declarações a amigos e a jornalistas. Nessa cruzada, o ex-coordenador da campanha de Bolsonaro fez algumas sibilinas declarações à revista Cruzoé.

Falou coisas assim: "Não sou moleque, e o presidente sabe. O presidente está com medo de receber algum respingo". Ou assim: "Todos nós voltaremos às nossas origens. As nossas origens estão no cemitério. O presidente não morrerá presidente. Muitas pessoas que se elegeram agora, eu não quero citar nomes, que também estão aí sob foco de investigações. Vamos ver, está certo? Eu sou homem, não sou moleque."

Gente que já viu elefante voar em Brasília decodificou os signos de Bebianno. Onde se ouve "o presidente não morrerá presidente", os tradutores ouviram: "Será que ele termina o mandato?". Onde se escuta "eu não quero citar nomes", os especialistas em politiquês, o idioma de Brasília, escutaram: "Flávio Bolsonaro (pode me também chamar de Fabrício Queiroz) e Jair Bolsonaro…"

Tendo produzido uma crise política, o capitão decidiu agravá-la. Manteve numa sala do Planalto, a poucos metros da maçaneta da porta do gabinete presidencial, um ministro que tachou de mentiroso e humilhou como um suspeito. Imaginou que o ex-amigo pediria para sair. Mas esqueceu-se de traçar um Plano B.

Feita a lambança, Jair Bolsonaro, já bem passado, pode utilizar as palavras que quiser para explicar a permanência do "mentiroso" no governo. Mas a impressão que ficará é a de que o presidente da República não demitiu o ministro que carbonizara porque "está com medo de receber algum respingo."

— Leia aqui notícia sobre a meia-volta de Jair Bolsonaro, que recolocou Gustavo Bebiano no rumo da porta de saída do governo.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.