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Josias de Souza

Eduardo Bolsonaro: ‘Maduro só sai à base do tiro’

Josias de Souza

23/02/2019 04h04

Num instante em que o governo de Jair Bolsonaro se esforça para caracterizar a ação do Brasil na fronteira com a Venezuela como uma iniciativa "exclusivamente humanitária", o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, adotou nas redes sociais uma pregação de timbre intervencionista e belicoso. "…Achar que o problema da Venezuela é só dos venezuelanos é não enxergar um palmo adiante", escreveu ele no Twitter, no início da madrugada deste sábado (23).

No mesmo post, o deputado convidou seus seguidores a assistirem a um vídeo que divulgou em agosto de 2017. O miolo da peça exibe encontro com o oposicionista venezuelano Roderick Navarro, apresentado como coordenador do Movimento Rumo à Liberdade. Durante a conversa, o filho do presidente da República diz: "…Acho que o [Nicolás] Maduro só sai à base do tiro, da bala. Eu não acredito que ele vá sair pacificamente." O vídeo está no YouTube. A frase em que o gatilho é apresentado como solução para a Venezuela soa na altura de 1 minuto e 45 segundos.

Horas antes de Eduardo Bolsonaro plugar-se no Twitter, o vice-presidente Hamilton Mourão esteve com Jair Bolsonaro no palácio residencial do Alvorada. Foi afinar o discurso que adotará nesta segunda-feira (25), como representante do Brasil na reunião do Grupo de Lima, que ocorrerá em Bogotá, capital colombiana. Ficou acertado que Mourão tomará distância de eventuais propostas intervencionistas.

O Brasil já reconheceu a presidência autoproclamada de Juan Guaidó. Mas sustenta que cabe aos venezuelanos produzir uma solução que retire o autocrata Nicolás Maduro do poder. Mourão chegou a defendeu publicamente a busca de uma "saída honrosa" para Maduro. Nada a ver com "tiro" ou "bala". Quanto à ajuda humanitária aos venezuelanos, o Planalto deliberou que levará alimentos e remédios apenas até a fronteira. Caberá ao opositor Juan Guaidó e sua turma atravessar a mercadoria para dentro da Venezuela, furando o bloqueio imposto por Maduro.

A posição a ser esgrimida por Mourão no encontro do Grupo de Lima é especialmente relevante porque o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, estará presente. Em privado, Mourão diz acreditar que o pendor intervencionista da administração de Donald Trump não passa, por ora, do campo da retórica. Se estiver errado, está respaldado para dizer que o Brasil não cogita apoiar ou participar de nenhum tipo de intervenção na Venezuela.

Tomado pelas palavras, Eduardo Bolsonaro parece estar mais próximo da Casa Branca do que do Planalto. "O sistema cubano é um parasita que suga outros países", escreveu o filho do presidente no Twitter. "Não podemos permitir que a Venezuela se torne uma nova Cuba, trazendo problemas para a região como a fome e a ação livre de grupos terroristas/narcos."

Nas últimas horas, foi alta a produtividade de Eduardo Bolsonaro no Twitter. Antes de alvejar Nicolás Maduro, o "Zero Três", como é chamado pelo pai, disparou contra o Ministério da Defesa. Criticou o teor de um ofício divulgado pela pasta com orientações para a comunidade que o Exército chama de CAC —iniciais de caçadores, atiradores e colecionadores de armas. O texto alerta que as armas registradas para a prática dessas atividades não podem ser utilizadas para defesa pessoal.

Não há no ofício nenhuma novidade. O veto à utilização de armas de colecionadores e de praticantes de caça e tiro está previsto na lei. Entretanto, como o Exército é responsável pelos registros, a pasta da Defesa achou conveniente esclarecer que nada mudou desde a edição do decreto presidencial que flexibilizou a posse de armas no Brasil. Se quiserem manter em casa armas para a defesa pessoal, os membros da tribo CAC terão de adquirir armas próprias para esse fim.

Eduardo Bolsonaro abespinhou-se. Num post em que anotou o endereço virtual do Exército, o deputado ralhou: "CAC não pode ser tratado como bandido". Para ele, o ofício do Ministério da Defesa deixa seus destinatários diante de um dilema: "Se bandido cruzar caminho do atirador ele: 1) Reage, atira e sobrevive… 2) Segue a portaria e não reage. É assassinado, pois bandido quando vê arma executa."

O filho do presidente não ignora que o ministério escorou seu ofício na letra da lei. Mas deu de ombros: "Se o problema for a lei, deixa que a gente tenta alterar, mas vocês não precisam botar em suas portarias normativas que acabam por piorar a vida do atirador. O princípio norteador tem que ser o de dificultar a vida do bandido, não a do CAC."

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.