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Josias de Souza

Alunos patriotas dependem da melhoria da pátria

Josias de Souza

26/02/2019 20h05

Poucas vezes um ministro trombou tanto com os interesses do seu ministério em tão pouco tempo. Na penúltima trombada, o ministro Ricardo Vélez Rodríguez, da Educação, mandou carta às escolas do país inteiro pedindo que filmem os alunos cantando o hino nacional depois de ouvir a leitura de uma mensagem escrita por ele para exortar os "novos tempos" e recordar o slogan da campanha de Jair Bolsonaro. Soterrado por críticas, o ministro abriu mão do bordão da campanha. "Foi um erro", disse. Mas manteve o pedido de filmagem das crianças, perfiladas diante da bandeira do Brasil, cantando o hino nacional. O ministro quer receber as imagens.

Ricardo Vélez Rodrígues parece ter feito uma opção prioritária pela polêmica. O ministro fornece trapalhadas aos brasileiros assim como as bananeiras dão bananas. A pasta da Educação passou a produzir confusões em cacho. Num dia, o ministro diz em entrevista que a universidade não é para todos, que ela "representa uma elite intelectual para a qual nem todo mundo está preparado…" Noutra ocasião, o ministro declara que "o brasileiro viajando é um canibal; rouba coisas dos hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião…"

Agora mais essa. Filmar crianças sem autorização dos pais é crime. O ministro não tinha notado. Depois, disse que isso estava implícito. Veja a sequência de maluquices que um pedido maluco pode ocasionar: diretores e diretoras de escolas desperdiçarão nacos do seu tempo para incomodar os pais. Pedirão a eles que autorizem a captação da imagem dos filhos. Para quê? Ah, isso ninguém sabe. O ministro não disse o que será feito com as imagens. Ele afirma apenas que entoar o hino nacional revigora o patriotismo.

A maioria das escolas brasileiras, como se sabe, presta um serviço de quinta categoria. Isso acontece por muitas razões: professores desanimados, escolas desaparelhadas, currículos inadequados, o diabo… E o ministro ofende a inteligência alheia com um lero-lero patriótico. Seria fabuloso se os brasileiros entoassem o hino nacional em todo lugar. Mas uma pátria, para ser amada, precisa ser amável. Se o governo e o ministro da Educação desejam que as crianças sejam patriotas, a coisa é muito simples: basta melhorar a pátria.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.