Topo

Josias de Souza

Cartas brancas do capitão viram cartas marcadas

Josias de Souza

02/03/2019 00h46

O ministério de Jair Bolsonaro tem vários setores, inclusive a área do picadeiro, onde brilham Damares Alves e Ricardo Vélez Rodrígues. Mas estava entendido desde o início que, na hierarquia do elenco, duas personalidades seriam mais importantes do que as demais: Paulo Guedes, responsável pelas contas da bilheteria, e Sergio Moro, escalado como uma espécie de mastro de honorabilidade capaz de sustentar a lona do circo.

Dizia-se que Bolsonaro dera carta branca a Guedes e Moro. De brancas, as cartas não tinham nada, pois elas traziam ruídos escritos na legenda. Na carta do ministro da Justiça, por exemplo, o capitão havia escrito algo assim: "Naquilo que nós somos antagônicos, vamos buscar o meio-termo, sou favorável à posse de arma; se a ideia dele for o contrário, tem que chegar a um meio-termo". Em relação às armas, o meio-termo foi a rendição de Moro.

No caso da desnomeação de Ilana Szabó de uma suplência do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, abriu-se uma negociação sui generis. Nela, Moro ficou apenas com o hífem da expressão meio-termo. Bolsonaro ficou com o resto. O meio foi a guilhotina em que o pescoço de Szabó foi passado na lâmina, O termo foi a exoneração de uma especialista reconhecida internacionalmente que se dispunha a participar de um conselho sem remuneração.

Noutro movimento esquisito, Bolsonaro desafiou a meta do ministro da Economia de economizar pelo menos R$ 1 trilhão na reforma da Previdência. Fez isso ao acenar com recuos antes do início da negociação com o Congresso. Imaginando-se donos de cartas brancas, Guedes e Moro tornaram-se personagens de uma coreografia de cartas marcadas.

Nesse jogo, Bolsonaro segue a lógica das redes antissociais. Quando seus seguidores dizem "nós estamos certos", todos os outros estão errados. No mercado financeiro, de onde veio Guedes, manda quem tem dinheiro. Na Justiça, origem de Moro, mandam as togas. No governo, manda quem tem votos. Resta saber qual é a disposição de Guedes e Moro para migrar da condição de ministros para a de súditos.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.