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Josias de Souza

Fundação da Lava Jato é ‘solução nova para um problema novo’, diz Dallagnol

Josias de Souza

12/03/2019 04h31

Crivado de críticas, o coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, definiu a decisão de criar uma fundação privada para gerir R$ 2,5 bilhões provenientes da Petrobras como "uma solução nova para um problema novo." Foi adotada, segundo declarou ao blog, para manter no Brasil recursos que, do contrário, iriam para o Tesouro dos Estados Unidos. "Vamos deixar esse dinheiro ir embora?", indagou.

A encrenca surgiu no ano passado, quando a Petrobras foi condenada a ressarcir nos Estados Unidos prejuízos que causou a investidores americanos. Um acordo firmado em setembro de 2018 com o governo americano encerrou as pendências naquele país. Esse acordo estabeleceu que um pedaço da indenização, o equivalente a R$ 2,5 bilhões, seria pago pela Petrobras a "autoridades brasileiras." Segundo Deltan, há nesse trecho do entendimento as digitais da Lava Jato.

"Houve a nossa interferência", disse o procurador. "Argumentamos junto às autoridades americanas que o envio dos recursos mancharia a causa anticorrupção no Brasil. Praticamente tudo o que havíamos recuperado para a Petrobras iria para os Estados Unidos. Isso alimentaria até a tese conspiratória de que trabalhamos para a CIA. A resposta foi: 'Tudo bem, a gente libera um crédito de até 80%.' Mas era necessário encontrar uma 'causa legítima' e alguém que pudesse receber o dinheiro."

Por que não o Tesouro Nacional?, quis saber o repórter. E Deltan: "Nesse caso, a Petrobras não é a vítima de roubo a ser ressarcida. A empresa está sendo punida pelas falhas no seu sistema de controle interno, que permitiram que a corrupção ocorresse. Repassar o dinheiro à União, que é acionista majoritária da Petrobras, não seria aceito pelas autoridades americanas como 'uma causa legítima'. Seria como retirar dinheiro de um bolso para colocar no mesmo bolso."

Chegou-se a considerar a hipótese de repassar os R$ 2,5 bilhões para um fundo gerido pelo Ministério da Justiça. Chama-se Fundo de Defesa de Direitos Difusos. É abastecido com verbas provenientes de condenações judiciais e multas. Esse dinheiro deveria cobrir despesas como a reparação de danos ao meio ambiente, a restauração de prédios e monumentos que compõem o patrimônio histórico nacional e vários "outros interesses difusos".

Entretanto, essa alternativa teve de ser descartada, segundo Deltan, porque verificou-se que sucessivos governos se apropriam do fundo para reforçar o caixa do Tesouro, às voltas com déficits fiscais. "Mais de 95% dos recursos do fundo de direitos difusos vêm sendo contingenciados. Ou seja: o dinheiro volta para a União. E nós voltamos ao problema original, que era o de encontrar uma 'causa legítima' e alguém que pudesse receber o dinheiro."

"Concluímos que o legítimo seria usar os recursos da punição imposta pelos Estados Unidos à Petrobras para indenizar a sociedade brasileira", afirmou Deltan. "A corrupção na estatal prejudicou inclusive o funcionamento do sistema político, do sistema eleitoral. A causa para a indenização não tem a ver com a União, mas com a sociedade. Aí, foi necessário encontrar um mecanismo para fazer esse dinheiro chegar à sociedade. Para criar a fundação, a gente se baseou na experiência internacional. Há pelo menos quatro grandes casos que resultaram em soluções semelhantes."

Acertados os detalhes, Deltan e outros 11 procuradores da Lava Jato assinaram em janeiro passado um acordo com a Petrobras. Por esse acordo, a estatal destinou a verba que se comprometera com o governo americano a repassar para "autoridades brasileiras" a uma conta na Caixa Econômica Federal. Foi aberta em nome do Ministério Público Federal. O dinheiro será destinado à fundação privada assim que ela for estruturada.

As críticas à iniciativa crescem na proporção direta da difusão dos detalhes do acordo. Na última sexta-feira, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, tomou uma decisão que foi vista como um empecilho à criação da fundação da Lava Jato. A Procuradoria queria destinar o dinheiro devolvido por João Santana e Mônica Moura, o casal do marketing petista, para o Fundo Penitenciário Nacional. Coisa de R$ 6 milhões em multas e US$ 21,8 milhões repatriados de contas abertas no estrangeiro.

Fachin levou o pé à porta: "O valor deve ser destinado ao ente público lesado, ou seja, a vítima, aqui compreendida não necessariamente como aquela que sofreu diretamente o dano patrimonial, mas aquela cujo bem jurídico tutelado foi lesado. No caso, a Administração Pública." Para o ministro, cabe à União, "não ao Poder Judiciário, inclusive por regras rigorosas de classificação orçamentária, definir, no âmbito de sua competência, como utilizará essa receita."

O acordo da Lava Jato com a Petrobras foi homologado pela juíza Gabriela Hardt, que respondia pela 13ª Vara Federal de Curitiba. O repórter perguntou a Deltan se não enxerga na decisão de Fachin um prenúncio de problema. "São coisas totalmente diferentes", respondeu o coordenador da Lava Jato. "No caso decidido pelo ministro Fachin o que há é dinheiro desviado da Petrobras. E o ministro entendeu que a verba deve ser devolvida. No outro caso, a Petrobras foi punida nos Estados Unidos por falhas no seu sistema de compliance. Entendeu-se que essas falhas permitiram que a corrupção ocorresse. Nesse caso, a Petrobras está sendo punida. Ela deve ressarcir os danos causados à sociedade."

Instado a responder às críticas sobre a falta de amparo legal para a criação da fundação privada, Deltan declarou: "Somos um grupo de pessoas que está sendo colocado diante de problemas novos e tentando encontrar soluções de interesse público. Essa fundação é uma solução nova para um problema novo. Qual era o problema? Mais de R$ 2,5 bilhões estavam indo para os Estados Unidos. A gente podia trazer esse dinheiro para o Brasil. Encontramos uma solução."

Dallagnol prosseguiu: "A gente já teve que fazer coisas absolutamente inéditas. Nesse caso, o que tínhamos era seguinte: um dano causado à sociedade brasileira, que gerou uma obrigação à Petrobras de indenizar. Essa é a base legal. Para alcançar o objetivo, utilizamos uma combinação de princípios gerais do direito, como previsto nas normas de introdução ao Código Civil, e o que há de melhor na experiência nacional e internacional."

O coordenador da Lava Jato arrematou: "A solução pode ser aperfeiçoada. Muita gente diz: 'Ah, um representante do Ministério Público terá assento no conselho da fundação.' Ora, isso pode ser tirado. Não fazemos nenhuma questão. Fizemos isso porque queríamos que os objetivos originais da fundação não se perdessem com o tempo. Num conselho de 10 ou 20 integrantes, teríamos uma voz lá dentro. Mas isso não é essencial. Pode ser revisto. O importante é que a fundação contribua para fortalecer a sociedade civil no combate à corrupção. A alternativa seria enviar o dinheiro para os Estados Unidos. Vamos deixar esse dinheiro ir embora?"

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.