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Josias de Souza

Lava Jato tenta destinar R$ 2,5 bi da Petrobras para um fundo anticorrupção

Josias de Souza

14/03/2019 03h39

A força-tarefa de Curitiba negocia com a Advocacia-Geral da União e a Petrobras uma nova destinação para os R$ 2,5 bilhões provenientes do acordo firmado entre a estatal e a Lava Jato. Em vez de criar uma fundação, cogita-se agora destinar a verba para um novo fundo federal anticorrupção. Algo que depende da concordância do Executivo e da aprovação do Legislativo. Nos próximos dias, a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União serão consultados para saber se concordam com a ideia.

Em nota redigida na noite desta quarta-feira (13), os procuradores explicaram a mudança de estratégia. Para facilitar o entendimento, o texto tem o formato de pergunta e resposta. Vão reproduzidas abaixo quatro interrogações que esmiúçam a ideia de trocar a fundação, cuja estruturação foi suspensa, por um novo fundo:

— Por que a Lava Jato suspendeu os procedimentos para a constituição da fundação?

Diante do debate social existente sobre o destino dos recursos, a força-tarefa entendeu por bem manter diálogo com outros órgãos na busca de soluções ou alternativas que eventualmente se mostrem mais favoráveis para assegurar que os valores sejam usufruídos pela sociedade brasileira, assim como para dar maior segurança jurídica ao que for decidido por esses órgãos acerca da forma de destinação dos recursos. A Lava Jato vem, nesse sentido, mantendo tratativas com a Advocacia-Geral da União e a Petrobras. Também serão consultados a Controladoria-Geral da União e o Tribunal de Contas da União. Uma das soluções que poderá ser sugerida ao Poder Executivo é a criação por lei de um fundo federal anticorrupção que pudesse ter seus recursos aplicados sem contingenciamento.

— O que acontece com os recursos enquanto eles não recebem uma destinação?

Durante o período em que serão realizados os estudos e consultas a outros órgãos para identificar a melhor forma de destinar os recursos em prol da sociedade, os valores que seriam pagos aos Estados Unidos pela Petrobras estão depositados em conta judicial vinculada à 13ª Vara Federal de Curitiba, com rendimento pela SELIC.

— A atribuição para fazer o acordo com a Petrobras é da força-tarefa dos procuradores da Lava Jato?

Sim. Procuradores têm competência para atuar nos casos criminais de corrupção envolvendo a Petrobras, nas cooperações jurídicas internacionais dos casos de sua competência e em causas envolvendo direitos difusos e coletivos da sociedade, por força da Constituição e de diversas leis, como a Lei da Ação Civil Pública. Além disso, a Força-Tarefa em Curitiba tem atribuição para atuar em todos os casos envolvendo o esquema criminoso na Petrobras, tanto para os casos criminais quanto para os reflexos cíveis do caso, a exemplo do ICP já mencionado. A procuradoria-geral da República não tem competência para atuar nessas matérias, que são de atribuição da primeira instância.

— Após a suspensão da fundação, quais as possibilidades a partir de agora?

A Força-Tarefa da Lava Jato em Curitiba já está mantendo conversas com a Advocacia-Geral da União e irá buscar também a Controladoria-Geral da União e o Tribunal de Contas da União para encontrar a melhor alternativa para a destinação desses recursos no Brasil, evitando-se qualquer risco de o dinheiro precisar retornar aos Estados Unidos.

Dentre as possibilidades aventadas, está sugerir aos Poderes Executivo e Legislativo a criação de um Fundo Federal Anticorrupção. Esse fundo poderia ser gerido de maneira semelhante ao Fundo Federal de Direitos Difusos, porém com a aplicação de recursos voltada mais diretamente a práticas anticorrupção e à recomposição de direitos fundamentais lesados pela corrupção, como a saúde e a educação. Espera-se, ainda, que possam ser criadas regras que evitem o contingenciamento dos recursos, garantindo-se que os valores aportados ao fundo possam ser efetivamente aplicados em favor da sociedade e não se contrarie a razão pela qual o dinheiro foi destinado ao Brasil.

Uma solução que conte com a concordância de MPF, Petrobras, AGU, CGU e TCU será também mais benéfica para a sociedade brasileira, pois evitará outros questionamentos e possibilitará, enfim, que os valores revertam à sociedade.

Na mesma nota, os procuradores de Curitiba contestaram o pedido da procuradora-geral da República Raquel Dodge para que Supremo Tribunal Federal anule o acordo celebrado entre a Petrobras e a Lava Jato, que resultaria na criação da fundação. Sustentam que a eventual anulação impediria o uso do dinheiro em benefício da sociedade brasileira. Os R$ 2,5 bilhões iriam para o Tesouro dos Estados Unidos. Abaixo, cinco perguntas que tratam do embate entre Dodge e a Lava Jato:

— É procedente a alegação da ADPF [Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental] proposta pela Procuradoria-Geral da República de que o acordo feito teve natureza administrativa e que só ela poderia atuar nesse tipo de situação, afirmando, por exemplo, que os "membros da Força-Tarefa, assumiram compromissos administrativos e financeiros pelo Ministério Público Federal, falando pela própria instituição sem poderes para tanto"?

Não. A premissa da procuradora-geral está equivocada. Quando a procuradora-geral alega que a atuação foi administrativa, está afirmando que a atividade se deu fora das atribuições do cargo, supondo que os procuradores atuaram na gestão administrativa do MPF, isto é, naquilo que se chama de atividade-meio, como quando há um contrato para a compra de material de escritório. Contudo, nenhum compromisso administrativo ou financeiro que pudesse resultar em gastos ou na necessidade de investimentos por parte do MPF, ou ainda no recebimento de recursos pelo MPF sem previsão orçamentária, foi assumido pela força-tarefa Lava Jato no acordo celebrado com a Petrobras.

Como explicado pormenorizadamente acima, o acordo foi celebrado no exercício da atividade-fim dos membros do Ministério Público, que têm atribuição Constitucional e legal para atuar na composição de danos civis (prevista, por exemplo, na LC 75/93 na Lei da Ação Civil Pública), para atuar nos casos vinculados à Lava Jato e para atuar no inquérito civil público já mencionado. Ainda, a atribuição dos procuradores nesses casos é notória e sua competência legal para atuar no ICP foi reconhecida oficialmente em decisão da própria procuradora-geral da República.

— A ADPF sugere que os 80% do valor da punição norte-americana poderia ficar no Brasil em decorrência dos próprios termos do acordo da Petrobras, sem necessidade de intervenção da força-tarefa da Lava Jato. Isso é procedente?

A suposição está, novamente, equivocada. Como se disse anteriormente, "o pagamento feito pela Petrobras não pode ser uma liberalidade, ou doação, mas sim resultado de uma demanda jurídica relacionada ao esquema de corrupção. É necessária a ação de um órgão com poder de cobrar valores devidos, ou a título de punição, ou a título de indenização. Ou seja, o valor deve ser pago em razão da atuação de um órgão estatal com poder de cobrar valores devidos em razão do esquema de corrupção. O pagamento no Brasil não poderia distorcer a natureza sancionatória da multa aplicada nos Estados Unidos. Por isso, os valores não podem ser simplesmente transferidos para os cofres públicos, nem podem ficar com a própria Petrobras."

Assim, sem a atuação dos procuradores da Lava Jato com base no poder de cobrar valores devidos em favor dos acionistas minoritários e da sociedade, os recursos iriam para os Estados Unidos.

— A ADPF pede que o acordo seja reconhecido como nulo. Qual seria a consequência disso?

Se o acordo for anulado, os recursos da multa aplicada sobre a Petrobras irão integralmente para os Estados Unidos, pois deixa de existir razão legal para o seu pagamento no Brasil, nos termos das respostas anteriores. É importante salientar que se deve distinguir a razão do pagamento e o seu destino, embora os dois temas se relacionem. É possível, como se disse anteriormente, conferir uma outra destinação aos recursos, desde que ela seja compatível com a razão do seu pagamento no Brasil, que diz respeito ao fato de que a sociedade brasileira e acionistas minoritários foram lesados pelo esquema de corrupção. Contudo, se for anulado o acordo, estará se anulando não só a destinação dos recursos, mas também a própria razão de ser do pagamento.

— Na ADPF proposta pela procuradoria-geral da República é mencionado que "recursos desviados dos cofres públicos" deveriam ser destinados de forma a "recompor o patrimônio da vítima". Os recursos depositados pela Petrobras no juízo deveriam seguir essa finalidade, portanto?

Como ressaltado anteriormente, a destinação dos recursos não pode desnaturar a natureza punitiva do acordo norte-americano, em que a Petrobras se comprometeu a arcar com a multa. No caso, não se trata de um valor desviado dos cofres públicos. Por isso, os recursos não podem ficar com a Petrobras, sob pena de não valer como pagamento da sanção norte-americana. Para que os valores possam ficar no Brasil, é necessário que haja um pagamento feito pela estatal em razão da ação em face da Petrobras de um órgão com poder de cobrar valores em função do esquema de corrupção. Por isso, os valores foram direcionados para atender direitos da sociedade brasileira e de acionistas minoritários, potencialmente lesados. É importante ressaltar, mais uma vez, que no acordo a Petrobras não reconheceu culpa ou responsabilidade civil, mas encerrou consensualmente potenciais discussões jurídicas sobre esses fatos.

— A força-tarefa foi consultada/questionada pela procuradora-geral sobre as circunstâncias e fundamentos do acordo antes do ajuizamento da ADPF?

A força-tarefa da Lava Jato foi surpreendida pela ação proposta pela procuradora-geral, que em momento algum procurou a força-tarefa para obter informações ou compreender as razões e circunstâncias do acordo feito. A ação da procuradora-geral constitui uma inadequada intromissão na independência funcional dos procuradores que têm atribuição para tratar dos fatos, o que é uma garantia constitucional da sociedade brasileira. Além disso, a ADPF é um instrumento inadequado para tratar do acordo, porque só é cabível quando não existe recurso adequado contra o ato praticado e, neste caso, caberiam recursos para a instância competente, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.