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Josias de Souza

Gilmar vincula Lava Jato a crimes e imoralidades

Josias de Souza

15/03/2019 04h13

Arqui-inimigo da Lava Jato, Gilmar Mendes atacou a força-tarefa de Curitiba com dose de agressividade inédita. O ministro insinuou que o procurador Deltan Dallagnol e a equipe coordenada por ele se movem por interesses pecuniários: "É como se estivessem participando de uma corrida do ouro." Pôs em dúvida a idoneidade moral dos procuradores: "Dentro de um decantado moralista mora um imoral."

Gilmar insinuou que a fundação que a Lava Jato desejava criar com os R$ 2,5 bilhões provenientes de acodo celebrado com a Petrobras teria propósitos eleitoreiros: "Não quero cometer perjúrio, mas o que se pensou com essa fundação do Deltan Dallagnol foi criar um fundo eleitoral. Era para isso. Imagina o poder! […] Essa gente faria tudo no Brasil, faria chover com esse dinheiro. É projeto de poder. É disso que nós estamos falando."

Os ataques foram feitos nesta quinta-feira, diante das lentes da TV Justiça, na sessão em que o Supremo Tribunal Federal decidiu, por 6 votos a 5, que os processos em que a corrupção se mistura ao caixa dois de campanha devem ser julgados pela Justiça Eleitoral. Foi uma paulada na Lava Jato, que pegava em lanças para manter todos os processos contra corruptos no âmbito da Justiça Federal. Gilmar compôs a maioria que derrotou a força-tarefa de Curitiba.

Ao votar, o ministro acusou os procuradores de tentar atemorizar magistrados. "O que se trava aqui, a rigor, a par de um debate sobre competência é uma disputa de poder, é uma disputa de poder. E se quer ganhar a fórceps, constranger, amedrontar as pessoas. Mas, fantasma e assombração aparecem para quem neles acredita. Nós vimos, são métodos que não honram instituições".

Gilmar citou artigo em que procuradores da Lava Jato questionam a qualificação técnica do ministro João Noronha, do Superior Tribunal de Justiça. Saiu na Folha de Londrina, em 4 de março. Foi assinado pelos procuradores Diogo Castor de Mattos, Felipe D´Elia Camargo, Lyana Helena Joppert Kalluf Pereira e Raphael Santos Bueno. Eles criticaram decisões de Noronha, entre elas um habeas corpus que abriu a cela do ex-goverandor tucano do Paraná Beto Richa.

"Veja a ousadia desse tipo de gente desqualificada. Desqualificada! Não há na história desse país, na relação da Procuradoria com o Supremo e com os tribunais, esse tipo de tradição. Jamais! Quem encoraja esse tipo de coisa é um covarde. Quem é capaz de encorajar esse tipo de gente, gentalha, despreparada , não tem condições de integrar um órgão como o Ministério Público."

Sem citar nomes, Gilmar declarou que, "para amedrontar as pessoas", procuradores não hesitariam em trafegar no acostamento da legislação: "São capazes de fazer a Polícia Federal interceptar conversas, de fazer ameaças. […] Isto é um modelo ditatorial, esta gente não… Se eles estudaram em Harvard, ou em alguma coisa, não aprenderam absolutamente nada. São uns cretinos, não sabem o que é processo civilizatório, não sabem o que é processo."

Nesse ponto, Gilmar voltou a fazer menção aos R$ 2,5 bilhões que seriam destinados à fundação anticorrupção da Lava Jato, suspensa a pedido da força-tarefa. "Sabe-se lá o que podem estar fazendo com esse dinheiro". Gilmar repetiu várias vezes que "o combate à corrupção é lucrativo". E voltou à carga contra os procuradores que "pressionam" magistrados.

"Parem com isso, porque não estão falando com pessoas assombradas. Não é ninguém que roubou galinha com eles ontem. É preciso ter respeito às instituições." Gilmar afirmou que o cemitério está apinhado de heróis. E "descobre-se que eles integram marcas, organizações criminosas. Vê-se que o combate à corrupção é lucrativo."

Noutro trecho do seu voto, Gilmar acusou a Lava Jato de combater os crimes cometendo-os. Empilhou insinuações sem dar nome aos bois: "Não se pode combater a corrupção cometendo crimes, ameaçando pessoas, exigindo delações ou fazendo acordos tendo o irmão como dono de escritório, porque passa as delações. Tudo isso não é compatível com a ordem do Estado de Direito. Assim se instalam as milícias. O esquadrão da morte é fruto disso."

Voltando-se para a procuradora-geral da República Raquel Dodge, que assistia em silêncio ao espancamento da Lava Jato, Gilmar contou detalhes de um diálogo que teria sido travado entre o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel e o atual chefe do Fisco Marcos Cintra. "A doutora Raquel vai saber do que  eu estou falando. Everardo Maciel, conversando com Marcos Cintra, disse, falando de sua experiência na Receita: 'força-tarefa é sinônimo de patifaria. Ganham gratificações, multiplicam recursos, dobram salários."

O normal, prosseguiu Gilmar, "é que as investigações se façam pelos órgãos normais." Voltando-se novamente para Raquel Dodge, o ministro deu a entender que as divergências da chefe da Procuradoria com a Lava Jato tem motivações que a plateia desconhece: "Muito provavelmente, procuradora, os ataques que Vossa Excelência está sofrendo vêm do fato de estar tentando regularizar pagamentos. Vossa Excelência certamente não vai se pronunciar sobre isso. Mas é legítimo adivinhar."

Notabilizado pelos embates que já travou com Gilmar Mendes no plenário do Supremo, o ministro Luís Roberto Barroso votou antes do colega, como de hábito. Posicionou-se na trincheira oposta, engrossando a minoria que preferia manter na Justiça Federal os processos contra corruptos, mesmo quando envolvessem caixa dois eleitoral. Como que antevendo o que estava por vir, Barroso disse: "Me surpreendo, em alguma medida, com as pessoas que têm mais gana de quem ajudou a mudar o país do que dos que saquearam e, de certa forma, continuam a saquear o país."

Sem mencionar-lhe o nome, Barroso citou um comentário recente de Carlos Marun, ex-ministro de Michel Temer, amigo de Gilmar. "Somos o país em que o ministro de Secretaria de Governo de gestão anterior declarou: 'O Brasil fez opção pelo combate à corrupção, no lugar de combater bandido.' Eles acham que corrupto não é bandido. Essa é a mentalidade que ainda vigora no Brasil. Eu acho que são bandidos. E altamente perigosos."

Barroso prosseguiu: "Acho que é papel do Supremo continuar a empurrar a história na direção certa, enfrentando essa mentalidade, que é tão arraigada que ousa dizer seu nome à luz do dia."

Diante de uma Raquel Dodge silenciosa, Barroso evitou que a força-tarefa de Curitiba fosse espancada sem defesa. "Dizer que a operação Lava Jato ajudou a superar o paradigma de impunidade no Brasil não significa, evidentemente, dar carta branca a ninguém. Onde haja erro, exagero, não devem ser ignorados. Mas gostaria de dizer, porque acho que é um juízo sem favor e de justiça, que sem eles essa gente que guarda R$ 50 milhões , R$ 100 milhões de dinheiros em bancos domésticos ainda estaria desfrutando e desviando mais."

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.