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Josias de Souza

Proibir ficha suja é fazer do óbvio uma boa notícia

Josias de Souza

18/03/2019 20h21

Quando quer, Brasília também consegue produzir boas notícias. A decisão do governo de Jair Bolsonaro de proibir que pessoas com a ficha suja sejam nomeadas para cargos de confiança é uma boa notícia com cara de obviedade. É óbvio que o Estado deveria contratar pessoas idôneas. Em tese, não seria necessário editar um decreto para proclamar o óbvio. Mas na administração pública, muitas vezes as pessoas esbarram no óbvio, tropeçam no óbvio e passam adiante, sem desconfiar de que o óbvio é o óbvio. Por isso, deve-se festejar a edição do decreto que proclama o óbvio.

A boa notícia veio na velocidade de uma tartaruga paraplégica. A Lei da Ficha Limpa, aquela que nasceu da iniciativa popular e que proibiu as candidaturas de políticos condenados em segunda instância, é de 2010. Em 2012, quando o Supremo Tribunal Federal ainda era presidido por Ayres Britto, hoje aposentado, a regra foi estendida para as contratações feitas no âmbito do Judiciário. Só agora, com nove anos de atraso, decidiu-se proibir também no Executivo a nomeação de biografias carunchadas para cargos de confiança.

Jair Bolsonaro celebrou a novidade no Twitter. Mas faltou explicar porque mantém na Esplanada dos Ministérios pelo menos sete ministros com algum tipo de suspeição —entre eles um condenado por improbidade administrativa e um réu em ação penal por fraude em licitação e tráfico de influência. Sempre se poderá alegar que nenhum ministro traz pendurado no pescoço uma condenação de segunda instância. Mas não fica bem justificar os detritos num governo que diz ser limpinho.

De resto, para evitar o pecado da ingenuidade, convém lembrar que leis e decretos não modificam a natureza humana. Por uma dessas coincidências fatais, quem sancionou a Lei da Ficha Limpa, em 2010, foi o então presidente Lula. Ele ajeitou a corda que o enforcaria. No ano passado, já condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro, o presidiário Lula teve a candidatura presidencial barrada com base na lei que ele mesmo havia sancionado. Portanto, convém celebrar a boa notícia sem esquecer que, na política, não é incomum que São Jorge prometa salvar a donzela e acabe casando com o dragão.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.