Topo

Josias de Souza

Bolsonaro não vê o problema, que dirá a solução

Josias de Souza

08/04/2019 05h26

Confrontado com as más notícias contidas na pesquisa do Datafolha, Jair Bolsonaro fugiu da realidade à moda do avestruz. Enfiou a cabeça nas profundezas de sua autoestima. E apertou o botão de dane-se: "Não vou perder tempo comentando pesquisa Datafolha", disse aos repórteres.

Numa de suas revelações mais ruinosas, a sondagem informou que, para 61% dos brasileiros, Bolsonaro fez menos do que se esperava dele nos primeiros dias como presidente. Entretanto, a notícia que mais atormentou Bolsonaro foi a de que os brasileiros consideram Lula e Dilma mais inteligentes do que ele.

Não é que Bolsonaro tenha ficado mal na foto. Para 58%, ele é muito inteligente, contra 39% que o consideram pouco inteligente. O problema é que, no início dos seus mandatos, Lula e Dilma eram vistos como muito inteligentes por um contingente maior de pessoas: 69% e 85%, respectivamente. O capitão gargalhou no Twitter: "Kkkkkkkk."

Ao fugir de uma análise mais qualificada da pesquisa, Bolsonaro perde a oportunidade de constatar que pode estar sofrendo precocemente os efeitos de uma presidência atípica. Em 2018, parte expressiva do eleitorado votou no capitão não por gostar dele, mas por odiar o PT. Bolsonaro venceu porque seus votos foram vitaminados pelos eleitores que não votavam de jeito nenhum em Fernando Haddad.

Quem escolheu um vitorioso por exclusão, saiu das urnas com um pé atrás. E passou os últimos 100 dias olhando para o Planalto de esguelha, à espera de que o novo inquilino provasse ser capaz de encarar o ofício de presidente. O diabo é que Bolsonaro passou a impressão de que, quando não estava na cama, estava fabricando crises nas redes ou distribuindo caneladas em aliados.

A boa notícia é que 59% dos entrevistados do Datafolha ainda cultivam a esperança de que Bolsonaro consiga fazer um governo ótimo ou bom. Tempo não lhe falta. O que o presidente não tem é discernimento. Não pode ter solução um presidente que não consegue enxergar nem o problema. Ou Bolsonaro fecha a fábrica de crises e começa a trabalhar ou seu governo tomará o rumo do pântano da ineficiência.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.