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Josias de Souza

Bolsonaro vê Mourão como pretendente ao trono

Josias de Souza

23/04/2019 05h35

Jair Bolsonaro dança com Hamilton Mourão a coreografia da enganação. O capitão passou a enxergar no seu vice o comportamento de um candidato ao trono. Esforça-se cada vez menos para disfarçar sua convicção. O general atribui as balas perdidas que lhe chegam à insegurança do titular do mandato. Mas finge acreditar na tese segundo a qual o presidente não endossa os disparos feitos pelo filho Carlos Bolsonaro e pelo guru Olavo de Carvalho.

Mourão costuma medir as pessoas pelas dimensões de seus assentos. Ainda estava na ativa quando uma declaração de conteúdo político lhe rendeu, sob Dilma Rousseff, o afastamento do cobiçado posto de comandante militar da região Sul. Reconheceu que falara demais. E resignou-se com a punição: "Cada um tem que saber o tamanho da sua cadeira." Não imaginava que fosse virar para a família Bolsonaro a assombração que Michel Temer foi para Dilma.

Quando uma intriga de Carlos Bolsonaro produziu a crise que levou à demissão do ministro palaciano Gustavo Bebianno, Mourão aplicou a teoria do assento aos filhos do presidente: "Eles vão entender o tamanho da cadeira de cada um. Vão se limitar a ela." Pois bem. Carluxo, o filho Zero Dois do presidente, revelou-se um elefante em poltrona de vereador. A diferença é que Mourão é um estorvo com mandato. Não está ao alcance da Bic do capitão.

Em agosto do ano passado, outro filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, o Zero Três, parecia entusiasmado com a decisão do pai de converter Mourão em seu companheiro de chapa. "Sempre aconselhei o meu pai: tem que botar um cara faca na caveira pra ser vice. Tem que ser alguém que não compense correr atrás de um impeachment." Decorridos apenas oito meses, os Bolsonaro exalam arrependimento.

Nesta segunda-feira, enquanto o porta-voz Otávio Rêgo Barros lia uma nota com ressalvas acanhadas do presidente às "recentes declarações" de Olavo de Carvalho contra os militares, o filho Carlos Bolsonaro postava nas redes sociais uma defesa enfática do guru da família. "Desprezar" as opiniões de Olavo, ele anotou, seria comportamento de quem estivesse "se lixando para os reais problemas do Brasil."

Bolsonaro e sua prole imaginaram que a companhia de Hamilton Mourão transformaria Jair Bolsonaro, por contraste, num estadista instantâneo. Deu-se o oposto. De tanto fabricar crises do nada, o capitão atribuiu ao mandato do general um conteúdo moderador, ampliando o tamanho da cadeira do vice.

Mourão não hesita em assumir o papel de contraponto de Bolsonaro. A comparação do seu comportamento com a movimentação do titular fornece combustível para uma crise longeva. Os ministros fardados do governo observam a cena com apreensão.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.