Dodge freou Lava Jato, revela relatório do STF
Sem alarde, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, divulgou na sexta-feira (26) relatório sobre a operação. Contém dados atualizados até o último dia 31 de março. A análise das informações permite concluir que, sob Raquel Dodge, a Procuradoria-Geral da República freou a maior operação anticorrupção já realizada no país.
Entre 2015 e 2019, informa o relatório de Fachin, foram homologados na Suprema Corte 110 acordos de colaboração premiada. Apenas um ocorreu na gestão Dodge, iniciada em setembro de 2017. Nele, o lobista Jorge Luz disse ter repassado propinas ao senador Renan Calheiros (MDB-AL) e seu grupo político. A homologação foi feita por Fachin em dezembro de 2018.
Dodge submeteu à apreciação do Supremo, no último mês de janeiro, um segundo acordo de colaboração, firmado dessa vez com o ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro. Mas a peça ainda não foi homologada. "Em 2019, não houve homologação", informa o documento de Fachin. O delator declarou ter repassado propinas e caixa dois eleitoral a políticos. Entre eles o petista Lula e o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes (ex-MDB, hoje no DEM).
O relatório de Fachin anota que, entre 2016 e 2019, a Procuradoria-Geral da República protocolou no Supremo 24 denúncias no âmbito da Lava Jato. Num balanço que fizera de sua gestão em outubro do ano passado, Dodge contabilizava 46 denúncias, mas apenas quatro se referiam ao maior escândalo de corrupção do país. Certos casos cobravam reação. Uma das denúncias de Dodge, realçada por Fachin, refere-se ao caso dos R$ 51 milhões atribuídos a Geddel Vieira Lima.
Afora os casos que se encontram aos cuidados de Fachin, Dodge formulou uma denúncia contra Michel Temer, no caso dos portos. Fez isso no ocaso de 2018, após o início do recesso de final do ano do Judiciário, a poucos dias da passagem da faixa presidencial de Temer para Jair Bolsonaro.
O relator do caso era o ministro Luís Roberto Barroso. Não lhe restou senão aguardar a volta das férias, desmembrar o processo e enviar pedaços dele para a primeira instância do Judiciário, em Brasília, São Paulo e no Rio de Janeiro. O naco remetido para o Rio já resultou numa estadia de quatro dias de Temer na prisão.
Também no caso de Temer, Raquel Dodge estava como que pressionada pelas circunstâncias a tomar providências. Seu antecessor, Rodrigo Janot, mantivera as fornalhas da Lava Jato permanentemente acesas. Munido de informações colecionadas na delação da JBS, Janot denunciara Temer duas vezes.
Dodge foi indicada por Temer à chefia do Ministério Público. Ocupava a segunda posição na lista tríplice resultante de eleição dos procuradores. Não ficaria bem ignorar os achados da Polícia Federal no inquérito dos portos. Num trecho do seu relatório, Fachin relata as derradeiras denúncias levadas ao Supremo por Janot antes de passar o cargo para Dodge. Quem lê esse pedaço do documento (reproduzido abaixo) percebe que a eventual inação de Dodge produziria um contraste tóxico.
Integrantes da equipe de Raquel Dodge sustentam que o freio imposto por ela à Lava Jato decorre de zelo e cautela, não de negligência. Recordam que a procuradora-geral assumiu sob o impacto dos questionamentos ao acordo de delação que Janot celebrara com os irmãos Joesley e Wesley Batista, da JBS. Um acordo tisnado pela imunidade penal concedida aos delatores e por suspeições que incluíam a presença de um procurador que mantinha um pé na equipe de Janot e outro num escritório de advocacia a serviço dos delatores.
Onde os auxiliares de Dodge enxergam cautela, integrantes da força tarefa da Lava Jato em Curitiba e no Rio de Janeiro vêem uma procuradora-geral que interrompeu uma sequência de fases da Lava Jato no Supremo, represou acordos de colaboração judicial e limitou as denúncias aos casos de maior repercussão. Faz isso não por falta de matéria-prima, mas por opção. O mandato de Dodge termina em setembro.
— Serviço: O relatório com a atualização dos dados referentes à Lava Jato foi repassado pelo ministro Edson Fachin aos pesquisadores Michael Mohallem, Bruno Brandão e Ninna de Araújo, da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas. O material recheará um trabalho sobre a história da operação. Fachin divulgou as informações também no site do Supremo. A coisa está disponível em dois links. Num, detalhou-se o percurso dos processos na Suprema Corte. Noutro, reuniram-se os dados referentes ao período de 2016 a 2019.
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