Crise entre Bolsonaro e militares se aprofundou
A autocrise que Jair Bolsonaro criou com os militares está longe de terminar. Agravou-se na noite passada. Em conversas presenciais e telefônicas —uma delas avançou até o início da madrugada desta terça (7)— integrantes da banda fardada do governo concluíram que o presidente sinaliza à opinião pública um sentimento de "desprezo" em relação às Forças Armadas. Faz isso ao endossar os ataques de seu ideólogo Olavo de Carvalho contra os militares.
A avaliação é de que o endosso de Bolsonaro se manifesta de duas formas: na "ausência de resposta" e na "reprodução das críticas" de Olavo nas suas próprias redes sociais. Estabeleceu-se um consenso entre os militares: o problema se chama Jair Bolsonaro, não Olavo de Carvalho. Essa impressão é compartilhada com oficiais da ativa das três forças armadas. O sentimento dos militares em relação ao presidente oscila entre a "irritação" e a "decepção".
Esperava-se que Bolsonaro modificasse seu comportamento depois que o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, reagiu em termos ácidos contra os ataques que Olavo de Carvalho dirigiu ao seu penúltimo alvo: o também general Carlos Alberto Santos Cruz, ministro-chefe da Secretaria de Governo. Entretanto, além de dar de ombros para Villas Bôas, o presidente praticamente culpou Santos Cruz pelo novo capítulo da crise.
A encrenca ressurgiu no final de semana. Utilizou-se como matéria prima da discórdia uma entrevista concedida por Santos Cruz há um mês. Indagado sobre o uso das redes sociais pelo governo, o general respondeu que a utilização teria de ser cuidadosa, para evitar distorções de segmentos radicais. Defendeu o diálogo. E manifestou-se a favor do aprimoramento da legislação para coibir abusos. "Controlar a internet, Santos Cruz?", indagou Olavo de Carvalho. "Controlar a sua boca, seu merda".
A repercussão baseada numa fake-interpretação das palavras do general estendeu-se às redes sociais do vereador carioca Carlos Bolsonaro e do deputado federal Eduardo Bolsonaro. O próprio Jair Bolsonaro anotou na internet que seu governo não patrocinaria o controle das mídias, incluindo as sociais. E insinuou que deveria mudar para Cuba ou para a Coreia do Norte quem pensasse diferente.
Nesta segunda-feira, questionado pelos repórteres sobre os ataques a Santos Cruz, Bolsonaro declarou: "De acordo com a origem do problema, a melhor resposta é ficar quieto. É essa orientação que eu tenho falado porque temos coisa muito, mas muito mais para discutir no Brasil. Aqueles que por ventura não tenham tato político estão pagando um preço junto à mídia."
Os repórteres interpretaram a recomendação de silêncio de Bolsonaro como uma tentativa de jogar água fria na fervura. Os militares enxergaram a frase como um jato de gasolina na fogueira. Avaliaram que Bolsonaro quis dizer que Santos Cruz não deveria ter dado entrevista. Muito menos falar de redes sociais. Para os auxiliares fardados do governo foi como se o capitão dissesse que o general Santos Cruz, seu amigo de três décadas, mereceu as pauladas virtuais que tomou.
Na mesma entrevista, Bolsonaro tentou negar o inegável. "Não existe grupo de militares nem grupo de olavos aqui. Tudo é um time só". Perguntou-se objetivamente ao presidente se cogita defender Santos Cruz dos ataques. E ele: "Estamos numa guerra. Eles, melhor do que vocês, estão preparados para uma guerra". A frase aprofundou o fosso que se abriu entre Bolsonaro e os militares que ele recrutou para o seu ministério.
Na expressão de um dos ministros, os militares que integram o primeiro escalão do governo se enxergam como "oficiais da reserva convocados para colocar a serviço da pátria toda a experiência adquirida na ativa e a formação custeada pelo contribuinte brasileiro." Não imaginavam que essa convocação envolveria a participação numa "guerra de fabricação doméstica".
Numa evidência de que a capacidade do governo de fabricar crises no seu quintal é ilimitada, alguns dos auxiliares de Bolsonaro acompanharam em tempo real as novas diatribes despejadas por Olavo de Carvalho nas redes sociais desde os Estados Unidos. Começaram à tarde. Estenderam-se pela noite. Invadiram a madrugada. O guru de Bolsonaro respondeu à manifestação do general Villas Bôas com a virulência e o calão rasteiro que lhe são peculiares.
Olavo de Carvalho levou ao ar uma pilha de postagens. Duas foram especialmente ofensivas. Numa, o ideólogo dia família Bolsonaro referiu-se ao ânus do general. Noutra realçou a saúde frágil de Villas Boas para estender a desqualificação aos colegas de farda que ele defendeu. Olavo escreveu que não esperava ver "altos oficiais" acossados "escondendo-se por trás de um doente preso a uma cadeira de rodas." Acrescentou: "Nem o Lula seria capaz de tamanha baixeza."
Villas Bôas é um dos oficiais mais respeitados das Forças Armadas. Comandou o Exército sob Michel Temer. Hoje, está lotado na assessoria do general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Ou seja, dá expediente no quarto andar do Planalto, a um lance de escada do gabinete presidencial. Na resposta que irritou Olavo de Carvalho, Villas Bôas foi duro. Mas não não desceu ao nível do autoproclamado filósofo que os Bolsonaro idolatram.
O general escreveu num trecho do seu texto: "Mais uma vez o senhor Olavo de Carvalho, a partir de seu vazio existencial, derrama seus ataques aos militares e às Forças Armadas, demonstrando total falta de princípios básicos de educação, de respeito e de um mínimo de humildade e modéstia. Verdadeiro Trótski de direita, não compreende que, substituindo uma ideologia pela outra, não contribui para a elaboração de uma base de pensamento que promova soluções concretas para os problemas brasileiros. Por outro lado, age no sentido de acentuar as divergências nacionais no momento em que a sociedade brasileira necessita recuperar a coesãoe estruturar um projeto para o país."
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