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Josias de Souza

Planalto perde para centrão e derrota a si mesmo

Josias de Souza

23/05/2019 16h38

Nenhum governo gosta de admitir que perdeu uma votação no Congresso. Mas é preciso tomar cuidado para não transformar uma cena ruim num episódio de pastelão. Na votação da medida provisória que redecorou a Esplanada, o Planalto cavalgou três cavalos de batalha: Coaf, mordaça da Receita e número de ministérios. Concluiu-se a votação na Câmara. No Coaf, o governo perdeu para o centrão. No poder do Fisco e na quantidade de pastas, derrotou a si mesmo. Nos três casos, enrolou-se sem a ajuda da oposição.

Exposto na vitrine das redes sociais pela turma do PSL, o centrão emagreceu. Amedrontada, parte de sua infantaria votou a favor da manutenção do Coaf nas mãos de Sergio Moro. Ainda assim, o órgão que fiscaliza movimentações bancárias suspeitas foi devolvido à pasta da Economia por um placar de 228 votos a 210. A diferença foi miúda: apenas 18 votos. Mas o ex-juiz da Lava Jato, embora não tenha beijado a lona, saiu do ringue com um olho roxo.

O Planalto celebrou o expurgo da emenda-jabuti que proibia auditores da Receita de comunicar ao Ministério Público crimes não-tributários —lavagem de dinheiro e corrupção, por exemplo. Chama-se Fernando Bezerra (MDB-PE) o senador que colocou o jabuti nos galhos da MP. Vem a ser o líder de Bolsonaro no Senado. Continua no posto. Quer dizer: o governo prevaleceu contra o líder do presidente.

Soltaram-se fogos no Planalto também pela retirada do artigo que trocava um ministério novo (Desenvolvimento Regional) por duas pastas velhas (Cidades e Integração Nacional). Com isso, o organograma do governo continua com 22 ministérios. A recriação de ministérios resultara de negociação direta de Bolsonaro com Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, mandarins da Câmara e do Senado. Ou seja: nesse caso, os rojões do bunker palaciano festejaram um recuo do capitão.

Na matemática palaciana, Bolsonaro saiu ileso do plenário da Câmara, pois o Coaf funcionará na Economia com a mesma eficiência que exibiria na Justiça, o Fisco salvou suas prerrogativas e a Esplanada não foi esticada. A contabilidade parece inofensiva, mas embute um perigo. O derretimento precoce de um governo que vive o seu quinto mês de existência confunde falta de votos no Legislativo e ineficiência política com força e eficácia. Fragilizado, o centrão continua na tocaia.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.