Imaginar que a rua fortaleceu Bolsonaro é ilusão
Na campanha presidencial de 2018, havia três grandes problemas sobre a mesa: ruína fiscal, estagnação econômica e corrupção endêmica. Jair Bolsonaro manda em Brasília desde janeiro de 2019. Para dar certo, precisa aprovar reformas no Congresso, destravar a economia e higienizar o Estado. Em cinco meses, forneceu tuítes, crises e ineficiência. Demora a aprovar a reforma da Previdência. Assiste ao aumento do desemprego. Convive com malfeitos atribuídos ao primogênito Flávio Bolsonaro. Alega que o Congresso trava o governo. Sustenta que as corporações resistem às mudanças. E acusa o Ministério Público de "perseguição".
Neste domingo, o pedaço da sociedade que tem simpatia por Bolsonaro foi às ruas para ronronar por ele. Imaginar que isso fortalece o governo do capitão é uma fantasia. Em seis meses, se tudo o que o governo tiver a apresentar contra o buraco fiscal, a sedação econômica e a perversão ética for um conjunto de desculpas, o mesmo asfalto que faz ronrom pode rosnar para Bolsonaro. Uma das belezas da democracia é a capacidade da opinião pública de identificar empulhações. Pragmático, o povo não costuma ser leal senão aos seus próprios interesses. Foi graças a essa peculiaridade, aliás, que Bolsonaro chegou à Presidência.
No segundo turno da disputa presidencial, parte do eleitorado escolheu um vencedor, não um presidente. Muita gente votou em Jair Bolsonaro para impedir que o triunfo de Fernando Haddad devolvesse o Poder ao PT. Prevaleceu a exclusão, não a preferência. Numa conjuntura assim, marcada pela polarização extrema, caberia ao vitorioso a generosidade da pacificação. Bolsonaro preferiu acentuar as diferenças. Trocou o "nós contra eles" do petismo pelo "eles contra nós". A fratura nunca esteve tão exposta. O Brasil parece condenado à campanha perpétua.
No curtíssimo intervalo de 11 dias, houve duas manifestações de rua —uma contra, outra a favor do governo. Bolsonaro chamou de "idiotas úteis" os alunos, pais e professores que chiaram em 15 de maio contra o bloqueio de verbas para a Educação. Não se deu conta de que havia entre os manifestantes um sem-número de eleitores daquele contingente que votou contra o PT na disputa de 2018. Neste domingo, em visita à igreja, Bolsonaro pregou para convertidos: "O povo está indo às ruas defender o futuro dessa nação." O presidente endossou os atos. Fez isso sem perceber que um governante recém-eleito que precisa socorrer-se das ruas em cinco meses é um governante fraco.
Nesta segunda-feira, ao abrir o expediente no Palácio do Planalto, Bolsonaro continuará pressionado pela mesma necessidade de entregar o que prometeu em 2018. Para isso, precisa de três quintos dos votos da Câmara e do Senado —308 deputados e 49 senadores. Declarou que não cederá ao troca-troca. Ótimo. Falta agora sanear seu próprio governo, apinhado de contradições, e estabelecer laços decentes com os partidos, denunciando as propostas indecorosas. Esse tipo de tarefa, por intransferível, não pode ser terceirizado às ruas.
Os dois últimos presidentes que imaginaram que seria possível emparedar o Congresso —Fernando Collor e Dilma Rousseff— foram mandados para casa mais cedo. A ideia de que o presidente manda e o Congresso obedece é consequência do pior tipo de ilusão que costuma acometer os presidentes novatos: a ilusão de que presidem. É notável o refinamento, o cuidado, o acabamento extremo e, sobretudo, o custo com que a administração Bolsonaro atinge a ineficiência.
Mantido o ritmo, o capitão logo descobrirá que não há popularidade sem prosperidade. E os manifestantes do dia 15 de maio e deste domingo tendem a se encontrar em manifestações conjuntas. Nessa hora, o centrão continuará representando um problema para o governo. Com uma diferença: o preço do apoio será bem mais caro. Quem tiver dúvidas, que pergunte para Michel Temer.
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